Politicas Publicas De Saude Artigo? - [Solução] CLT Livre

Politicas Publicas De Saude Artigo?

Politicas Publicas De Saude Artigo
Políticas públicas em saúde: um artigo de revisão sobre o Sistema Único de Saúde no Brasil ARTIGO DE REVISÃO SOUSA, Francisco Danúbio Timbó de, SOUSA, Ana Lúcia Pereira Martins de SOUSA, Francisco Danúbio Timbó de, SOUSA, Ana Lúcia Pereira Martins de.
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As Políticas Públicas de Saúde são conceituadas como a ação ou omissão do Estado perante as demandas de saúde da população (diretrizes, planos de ação de governo, planos e programas de saúde) sempre verificando a relação entre poder e saúde.
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O que aconteceu com a política de saúde no Brasil?

A saúde sob novos riscos em tempos difíceis (2011-2016) – O primeiro Governo Dilma se defrontou com um contexto econômico e político menos favorável do que o do seu antecessor. Na esfera econômica, a desaceleração da China e o prolongamento da crise em outros países propiciaram a redução do ritmo de crescimento brasileiro entre 2011 e 2014.

Os principais motores do crescimento estagnaram e as tentativas da política econômica nos primeiros anos de estimular os investimentos não foram bem-sucedidas; em 2014, o Governo Dilma mudou o rumo da política econômica e passou a defender medidas de austeridade 31 31. Anderson P. Crisis in Brazil. London Review of Books 2016; 38:15-22.

No âmbito político, destacou-se a dependência do governo de uma coalizão político-partidária ampla e heterogênea, o crescente poder do PMDB 32 32. Nobre M. Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma. Rio de Janeiro: Editora Companhia das Letras; 2013.

E a relativa fragilidade da Presidente, que restringiram a sua governabilidade e favoreceram o fortalecimento de forças e agendas conservadoras ao longo do período, cujo ápice resultou na crise de 2015-2016 31 31. Anderson P. Crisis in Brazil. London Review of Books 2016; 38:15-22. Em meados de 2013, uma onda de protestos desencadeados em São Paulo por reação ao aumento de tarifas de transporte, se espalhou pelo país incorporando pautas como críticas ao sistema partidário e denúncias de corrupção.

Estudos sugerem que tais eventos favoreceram a reorganização de movimentos neoconservadores, sob o apoio da grande mídia e de grupos internacionais 33 33. Freixo A, organizador. Manifestações de 2013: as ruas em disputa. Rio de Janeiro: Oficina Raquel; 2016.

(Coleção Pensar Político). Ressalte-se ainda a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, iniciada em 2014, que envolveu denúncias contra políticos de vários partidos – do PT ao PSDB – pelo recebimento de recursos ilegais para campanhas eleitorais, além de denúncias contra empresários do setor privado, dirigentes e funcionários de estatais, com destaque para a Petrobras.

Nos meses seguintes, tais investigações receberam massiva cobertura da grande mídia, incluindo vazamentos seletivos de depoimentos e informações, que se intensificaram na campanha presidencial de 2014. Em que pesem as denúncias contra membros do PT e coligados, não houve evidências até aquele ano de envolvimento do ex-Presidente Lula nem da Presidente Dilma, que foi reeleita, após acirrada disputa eleitoral.

  1. Tal campanha presidencial expôs projetos em disputa em torno das possibilidades e limites de se avançar em políticas redistributivas, em um cenário econômico adverso.
  2. A quarta derrota sucessiva de um candidato do PSDB para a Presidência em 2014 (dessa vez, Aécio Neves; em 2010, o derrotado foi José Serra) gerou acirramento da polarização política em 2015, ano inicial do segundo mandato de Dilma.

Configurou-se um quadro de instabilidade, com redução da popularidade da Presidente, articulação de forças ultraconservadoras no Congresso Nacional e ameaças de impeachment, O prolongamento da Operação Lava Jato, a politização da atuação do Judiciário e do Ministério Público, o posicionamento antigoverno da grande mídia e o comportamento oportunista de partidos de oposição e mesmo da base governista contribuiriam para acentuar o clima de instabilidade política e institucional, associado ao aumento da projeção de economistas de discurso ultraliberal 34 34.

  • Fiori JL. O paradoxo e a insensatez.
  • Valor Econômico 2009; 25 set.
  • Http://www1.valor.com.br/opiniao/4241452/o-paradoxo-e-insensatez.
  • Http://www1.valor.com.br/opiniao/4241452.
  • Diante desse cenário econômico e político desfavorável, o espaço para consolidação de um projeto nacional e de expansão das políticas sociais foi restrito.

No primeiro governo, houve investimentos em infraestrutura econômica e social, incluindo a implantação de programas de habitação popular, a continuidade e expansão das políticas de combate à pobreza, como os programas de transferência de renda (Bolsa Família e BPC), associados a outras estratégias sob a marca “Brasil Sem Miséria”.

  • No que concerne à Previdência Social, as reformas foram incrementais, destacando-se medidas de contenção de despesas e de desoneração fiscal, que prejudicaram as receitas.
  • No regime dos servidores públicos federais, aboliu-se a aposentadoria integral para novos concursados, que passaram a se subordinar ao mesmo teto de contribuição e aposentadoria dos trabalhadores inseridos no regime geral, com possibilidade de adesão à previdência complementar gerida pelo Estado.

Em dezembro de 2014, editou-se medida provisória com imposição de regras mais restritivas de acesso e manutenção de pensões e seguro-desemprego. No segundo governo, foram acentuadas as pressões de grupos neoliberais para reformas drásticas na previdência, ancoradas no discurso de déficit do sistema, sob críticas de especialistas 35 35.

  1. Fagnani E.
  2. A Previdência Social não tem déficit; 2016.
  3. Http://plataformapoliticasocial.com.br/a-previdencia-social-nao-tem-deficit (acessado em Jul/2016).
  4. Http://plataformapoliticasocial.com.br/a., 36 36.
  5. Drummond C.
  6. Manipulações e desrespeito à Constituição ocultam saldos positivos.
  7. Carta Capital 2016; 6 jun.

http://www.cartacapital.com.br/revista/904/o-deficit-e-miragem. http://www.cartacapital.com.br/revista/9. A política de saúde, por sua vez, novamente foi marcada por continuidades em algumas áreas – atenção básica, vigilâncias – e pela adoção de programas específicos como marcos de governo, sem que problemas estruturais do sistema fossem adequadamente enfrentados.

Durante o primeiro Governo Dilma, houve dois Ministros no cargo, com trajetórias na saúde pública e vinculados ao PT. Adotaram-se como marcos governamentais a expansão das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) – outro componente da rede de urgências – e o Programa Mais Médicos. O Programa Mais Médicos trouxe polêmicas e desgaste para o governo ao propor a contratação de médicos formados no exterior (brasileiros ou estrangeiros) sem a necessidade de validação de diplomas, com destaque para os médicos cubanos, cuja lotação foi feita mediante intermediação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

O programa previa a expansão de vagas de graduação e residência médica; mudanças curriculares; e provimento de médicos em áreas de alta vulnerabilidade social e difícil fixação de profissionais. A incorporação de médicos estrangeiros gerou intensa reação negativa da corporação médica, representada pelos conselhos profissionais.

  1. Apesar do sucesso do programa no curto prazo, é difícil dimensionar seus custos políticos para o governo e efeitos para o sistema público de saúde em longo prazo, já que a substituição dos médicos estrangeiros seria necessária após três anos de contratação.
  2. Em todo o primeiro governo questões-chave para o setor, como o financiamento e a regulação do setor privado, não foram enfrentadas de forma adequada.

Ainda ao final de 2014, uma medida polêmica sustentada pelo governo foi a abertura do setor saúde ao capital estrangeiro, inclusive na prestação de serviços, o que foi amplamente criticado pelos defensores do SUS. Em 2015, sob a intensificação da crise política, novos acontecimentos repercutiram negativamente sobre a saúde.

  1. O Ministro da Saúde que estava no cargo desde fevereiro de 2014 foi substituído por um parlamentar do PMDB, visando a aumentar a base de sustentação do governo.
  2. Entre as medidas polêmicas do novo Ministro consta a nomeação para a Coordenação Nacional de Saúde Mental de um ex-dirigente de hospital psiquiátrico do país, conhecido por posições contrárias à luta antimanicomial.

Do ponto de vista epidemiológico, o ano de 2015 ficou marcado também pela identificação do início da epidemia de Zika vírus e sua associação com microcefalia e distúrbios neurológicos em bebês (na infecção contraída pela gestante), configurando-se como uma nova emergência em saúde pública.

Em 2016, a política de saúde mergulhou em uma fase de indefinições e instabilidade com o agravamento da crise política, que culminou com o afastamento temporário da Presidenta Dilma Rousseff em maio e a confirmação do seu impeachment pelo Senado Federal em agosto de 2016. Nesse contexto, destacou-se o lançamento de propostas que fragilizariam ainda mais a base financeira do SUS e fortaleceriam os mercados em saúde.

Em síntese, o período de 2011 a 2016, marcado por instabilidade política, sinalizou percalços e riscos de retrocessos para as políticas sociais e de saúde, cujos rumos são incertos. A análise da política de saúde nos últimos 26 anos permite evidenciar numerosas contradições, que podem ser exemplificadas em três desafios estratégicos: a inserção da saúde no modelo de desenvolvimento e na Seguridade Social, o financiamento e as relações público-privadas.

  1. No que tange ao primeiro desafio, cabe ressaltar que o projeto da Seguridade Social consolidado na Constituição de 1988 pressupunha forte articulação entre políticas econômicas e sociais 6 6.
  2. Baptista TWF.
  3. Seguridade social no Brasil.
  4. Revista do Serviço Público 1998; 49:101-22.
  5. A articulação entre essas políticas deveria se ancorar em um modelo de desenvolvimento que promovesse, simultaneamente, crescimento econômico sustentado e geração de renda e emprego, com redução das desigualdades e ampliação dos direitos sociais.

Ao longo dessas últimas décadas, observam-se diferentes institucionalidades da política social que evidenciam menor ou maior centralidade da área social e do papel do Estado nas estratégias de desenvolvimento 37 37. Viana ALd’A, Silva HP. A política social brasileira em tempos de crise: na rota de um modelo social liberal privado? Cad Saúde Pública 2015; 31:2471-4.

Do ponto de vista macroeconômico, a ênfase na estabilidade fiscal e monetária comprometeu maiores avanços na implantação de políticas de corte universal pelas restrições impostas à intervenção estatal e ao gasto social 22 22. Dain S. Os vários mundos do financiamento da saúde no Brasil: uma tentativa de integração.

Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:1851-64. O Brasil experimentou diminuição gradativa da pobreza e das desigualdades, medida, por exemplo, pelo aumento do PIB, da renda média municipal, da renda individual, do poder de consumo das famílias e do nível de escolaridade da população 30 30.

Arretche M, organizadora. Trajetórias da desigualdade: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos. São Paulo: Editora da Unesp; 2015. Entretanto, a concentração de renda nos segmentos mais ricos da população permaneceu elevada, em parte devido à regressividade do padrão tributário vigente 38 38. Medeiros M, Souza PHGF, Castro FA.

A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares. Ciênc Saúde Coletiva 2015; 20:971-86. Com relação aos indicadores de saúde o país também registrou expressivos ganhos, mantendo as tendências de redução da mortalidade infantil e de aumento da expectativa de vida verificadas nas últimas décadas 30 30.

Arretche M, organizadora. Trajetórias da desigualdade: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos. São Paulo: Editora da Unesp; 2015. Tais mudanças envolveram a adoção de diferentes iniciativas, dentre as quais destacam-se as de cunho redistributivo 28 28. Bielschowsky R. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual.

Economia e Sociedade 2012; 21:729-47., 29 29. Campello T, Neri M, organizadores. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2013. Ainda assim, problemas relativos à desarticulação entre esferas de governo e setores da política social manifestaram-se frequentemente e os esforços de integração mantiveram-se restritos a determinadas estratégias.

No que concerne ao financiamento do SUS, os patamares de gasto público per capita em saúde e o comprometimento do gasto público com a saúde permaneceram abaixo daqueles observados em outros países, mesmo considerando sua maior estabilidade e ampliação nos anos 2000 39 39. Servo L, Piola SF, Paiva AB, Ribeiro JA.

Financiamento e gasto público de saúde: histórico e tendências. In: Melamed C, Piola SF, organizadores. Políticas públicas e financiamento federal do Sistema Único de Saúde. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2011.p.85-108. Houve esforços para a alocação de recursos em regiões mais carentes, mas a permanência de problemas do sistema de partilha fiscal 40 40.

Lima LD. Federalismo fiscal e financiamento descentralizado do SUS: balanço de uma década expandida. Trab Educ Saúde 2009; 6:573-97., associados ao caráter cíclico, com baixa prioridade econômica e fiscal do gasto federal 41 41. Machado CV, Lima LD, Andrade CLT. Federal funding of health policy in Brazil: trends and challenges.

Cad Saúde Pública 2014; 30:187-200., comprometeu maiores impactos redistributivos das transferências setoriais. Avanços do ponto de vista do maior aporte de recursos de origem estadual e municipal foram contrabalançados pela diminuição proporcional do gasto federal, sendo a autonomia no gasto em saúde restrita pelo excesso de condicionalidades para aplicação de recursos transferidos e pelas limitações da legislação vigente.

Nos anos 2000, as diferenças nas condições de financiamento e gasto em saúde entre as esferas subnacionais de governo mantiveram-se significativas 40 40. Lima LD. Federalismo fiscal e financiamento descentralizado do SUS: balanço de uma década expandida. Trab Educ Saúde 2009; 6:573-97. No que concerne às relações público-privadas, ressalte-se que a expansão da oferta e do acesso aos serviços públicos no período ocorreu de forma concomitante ao crescimento do setor privado no financiamento e prestação de serviços.

Os gastos privados permaneceram acima de 50% do gasto total em saúde em todo o período, compostos por desembolsos diretos e pagamentos a planos e seguros de saúde 41 41. Machado CV, Lima LD, Andrade CLT. Federal funding of health policy in Brazil: trends and challenges.

  1. Cad Saúde Pública 2014; 30:187-200.
  2. Tais gastos refletem tanto problemas relacionados ao padrão tributário e à renúncia fiscal 42 42.
  3. Ugá MAD, Santos IS.
  4. Uma análise da progressividade do financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
  5. Cad Saúde Pública 2006; 22:1597-609., 43 43.
  6. Ocké-Reis CO.
  7. Gasto privado em saúde no Brasil.
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Cad Saúde Pública 2015; 31:1351-3. como a limites e impasses do próprio financiamento da saúde frente aos desvios no uso de recursos da Seguridade Social, às oscilações de fontes e à fragilidade da política de investimentos 22 22. Dain S. Os vários mundos do financiamento da saúde no Brasil: uma tentativa de integração.

  1. Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:1851-64.
  2. A prestação privada de serviços ao SUS continuou elevada no âmbito hospitalar e se expandiu no segmento de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico e, mais recentemente, na atenção básica, por meio das novas formas de terceirização, como a contratação de Organizações Sociais.

Destaque-se a expansão do segmento de planos e seguros de saúde, em uma lógica cada vez mais dinâmica do ponto de vista empresarial e financeiro, com a compra de empresas menores por grupos maiores, configurando um fenômeno de financeirização articulado à internacionalização.

A ANS não impôs constrangimentos ao crescimento desse segmento. Ao contrário, em vários momentos atuou no sentido da organização e fomento a esses mercados, sob o comando de dirigentes cuja trajetória profissional foi construída no setor a ser regulado 44 44. Bahia L. Financeirização da assistência médico-hospitalar no Governo Lula.

In: Machado CV, Baptista TWF, Lima LD, organizadoras. Políticas de saúde no Brasil: continuidades e mudanças. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012.p.91-113. A abertura da oferta de serviços de saúde ao capital estrangeiro, formalizada no final de 2014 (antes vetada pela Constituição ), foi defendida e articulada no interior da própria organização 45 45.

  1. Paiva AB, Sá EB, Barros ED, Servo LM, Stivali M, Vieira RS, et al. Saúde.
  2. Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise 2015; (23):117-70.
  3. A força do setor privado na saúde também se manifestou na crescente atuação desses grupos no financiamento de campanhas eleitorais 46 46.
  4. Scheffer M, Bahia L.
  5. Representação política e interesses particulares na saúde: a participação de empresas de planos de saúde no financiamento de campanhas eleitorais em 2014.

http://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2015/02/Planos-de-Saude-e-Eleicoes-FEV-2015-1.pdf (acessado em Jul/2016). http://www.abrasco.org.br/site/wp-conten. e na expressão de seus interesses no Congresso Nacional. Ademais, a atuação desses segmentos privados é heterogênea entre grupos sociais (considerando renda, idade, inserção laboral), áreas urbanas e rurais e regiões do país, dada a sua orientação para a busca de lucros.

  1. A dinâmica econômica influencia de forma decisiva a configuração e as estratégias desse setor na busca por novas clientelas e oferta de produtos.
  2. Acrescente-se que parte expressiva da força de trabalho em saúde – especialmente dos médicos – atua nos setores público e privado, em arranjos variados, sugerindo o seu imbricamento e riscos de conflitos de interesses.

Assim, enquanto parte das desigualdades na oferta de serviços e nos resultados sanitários é atenuada pela expansão de serviços do SUS – especialmente na atenção básica – o dinamismo do setor privado, sob incentivo estatal, tende a reproduzir a estratificação social e a expressão das desigualdades na saúde, sendo ainda susceptível aos ciclos econômicos.

O caráter das relações Estado e mercado na saúde, em que o primeiro fomenta o segundo, público e privado se imbricam e o conflito distributivo é camuflado em um cenário de recursos relativamente escassos, constitui a contradição central da política de saúde no Brasil no período e o principal óbice à consolidação de um sistema público efetivamente universal e igualitário.

Quanto aos limites e pressões que incidiram sobre a política de saúde no período estudado, identificaram-se três grupos de condicionantes: histórico-estruturais, institucionais, político-conjunturais. O primeiro grupo concerne aos legados históricos de longo prazo e fatores macroestruturais que colocam limites às políticas de saúde, como características do modelo de capitalismo brasileiro, das relações Estado-mercado e as desigualdades socioeconômicas que explicam a persistência da segmentação do sistema de saúde, do caráter das relações público-privadas e das desigualdades em saúde.

  1. Por outro lado, a tradição secular de atuação do Estado brasileiro na saúde pública 2 2.
  2. Lima NT, Fonseca CMO, Hochman G.
  3. A saúde na construção do Estado Nacional no Brasil: Reforma Sanitária em perspectiva histórica.
  4. In: Lima NT, Gerschman S, Edler FC, Manuel Suárez J, organizadores.
  5. Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS.

Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.p.27-58., no controle de doenças sob vigilância, prestação de serviços, produção de vacinas e medicamentos, conferiu certa base material e reconhecimento da legitimidade estatal para coordenar o sistema de saúde.

Quanto aos condicionantes institucionais, em que pesem as dificuldades, o marco constitucional-legal teve caráter protetor do direito à saúde e favoreceu a luta política em torno da construção do SUS, mesmo em contextos em que a agenda neoliberal ganhou força, como nos anos 1990. As estratégias específicas implantadas na saúde, reguladas por normas e mecanismos de financiamento, favoreceram a expansão de serviços públicos e a continuidade de políticas ao longo de distintos governos, com predomínio de mudanças incrementais.

Ressalte-se, no entanto, que a Constituição reconheceu a saúde como livre à iniciativa privada, e que regras relativas aos subsídios estatais ao setor privado foram mantidas ou expandidas no período. Além disso, foram criadas leis que favoreceram a expansão da prestação privada na saúde, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (ao restringir gastos com os servidores públicos) e as leis das Organizações Sociais.

  1. O âmbito político-conjuntural refere-se aos processos políticos, acontecimentos, distribuição de poder e relações entre atores políticos em conjunturas específicas de menor duração.
  2. No período, os principais defensores do SUS foram entidades de Saúde Coletiva e outras afins, parte dos gestores, técnicos e profissionais de saúde do SUS nas diferentes esferas de governo, conselheiros de saúde e, ainda, membros do Ministério Público e da Defensoria atuantes na área.

Por outro lado, a implantação do SUS foi prejudicada por atores que defenderam pautas centradas na contenção de gastos sociais (como as autoridades econômicas) e na expansão de mercados privados (empresas da saúde). Os distintos Presidentes defenderam a expansão de políticas específicas – adotadas como marcos de governo – e, a depender de sua orientação política, deram espaço variável a grupos progressistas no interior do Executivo.

Houve ainda grupos de atores – médicos e sindicatos – cujas agendas políticas tiveram caráter eminentemente corporativo, com defesa de pontos que poderiam favorecer ora o SUS, ora o setor privado lucrativo. Os avanços, dificuldades e condicionantes específicos relativos a cada desafio são resumidos na Figura 2,

Figura 2 Avanços, dificuldades e condicionantes segundo desafios estratégicos para a consolidação do caráter público e universal da política de saúde no Brasil. A condução nacional da política de saúde nos 26 anos da democracia apresentou continuidades e mudanças nos diferentes contextos, que se expressaram no processo político e no conteúdo da política.

A análise dos condicionantes da política mostrou que o marco constitucional, os arranjos institucionais e a luta política de atores setoriais foram fundamentais para a expansão de programas específicos e serviços públicos, que por sua vez conferiram materialidade, favoreceram resultados sanitários positivos e ampliaram em alguma medida a base de apoio ao SUS, ao menos setorial.

No entanto, limites histórico-estruturais e legados institucionais se expressaram fortemente no período. O caráter das relações Estado-mercado no capitalismo brasileiro e na saúde, e a marcante estratificação social limitaram as transformações necessárias à consolidação do SUS.

  • Distorções históricas do sistema de saúde mal equacionadas entre 1985 e 1990, relacionadas à regulamentação da Seguridade, ao financiamento e às relações público-privadas, se manifestaram de forma contundente nos anos subsequentes.
  • Houve variações de contexto entre governos, com influências sobre as políticas sociais e de saúde.

Porém, nenhum governo nacional do período assumiu como prioridade política a consolidação de um sistema de saúde universal, o que implicaria mudança no estatuto político da saúde e da seguridade, inseridas em modelo de Estado e de desenvolvimento mais redistributivo.

  • Assim, não foram enfrentados obstáculos estruturais no âmbito do financiamento e das relações público-privadas; ao contrário, diversos incentivos do Estado aos mercados em saúde foram mantidos ou ampliados.
  • Não houve a conformação de uma coalizão de poder abrangente, além do setor saúde, em torno de uma agenda universalista, o que implicaria rupturas drásticas com os arranjos econômicos vigentes.

Como limitações do estudo, destacamos que o amplo recorte temporal não permitiu aprofundar temas relevantes para o sistema de saúde, como relações intergovernamentais, organização territorial, gestão do trabalho, modelo de atenção e participação social.

  • Outra limitação concerne ao foco na atuação do Executivo Federal, com escassa consideração de atores subnacionais e outros atores sociais, importantes em contextos federativos e democráticos.
  • Também não foram exploradas outras questões relevantes, como as transformações da geopolítica internacional, na macroeconomia e na demografia, que podem afetar as políticas de saúde.

O Brasil expressa de forma contundente as tensões na construção de um sistema de saúde universal em um país capitalista periférico extremamente desigual. Configura-se uma situação contraditória, de coexistência de um sistema público de dimensões expressivas, baseado na diretriz da universalidade, com mercados privados dinâmicos e em ascensão, que disputam os recursos do Estado e das famílias, espoliam a possibilidade de consolidação de um sistema de saúde de fato único e igualitário, reiteram a estratificação e as desigualdades sociais.

Diante do legado histórico-estrutural do sistema de proteção social, da persistência de fragilidades institucionais e do fortalecimento de ideias neoconservadoras e neoliberais, em um momento de instabilidade econômica e política, com ameaças à democracia brasileira, existem sérios riscos de retrocessos nas conquistas que haviam sido alcançadas na área social e na saúde no período pós-constitucional.C.V.

Machado e L.D. Lima são bolsistas de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As pesquisas que deram origem ao artigo foram financiadas com recursos do Edital Universal do CNPq 2013 e do Programa de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Saúde Pública da Escola Nacional de Sáude Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (Inova-ENSP-2013).
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Quais são os condicionantes da política de saúde?

A saúde sob novos riscos em tempos difíceis (2011-2016) – O primeiro Governo Dilma se defrontou com um contexto econômico e político menos favorável do que o do seu antecessor. Na esfera econômica, a desaceleração da China e o prolongamento da crise em outros países propiciaram a redução do ritmo de crescimento brasileiro entre 2011 e 2014.

  1. Os principais motores do crescimento estagnaram e as tentativas da política econômica nos primeiros anos de estimular os investimentos não foram bem-sucedidas; em 2014, o Governo Dilma mudou o rumo da política econômica e passou a defender medidas de austeridade 31 31.
  2. Anderson P.
  3. Crisis in Brazil.
  4. London Review of Books 2016; 38:15-22.

No âmbito político, destacou-se a dependência do governo de uma coalizão político-partidária ampla e heterogênea, o crescente poder do PMDB 32 32. Nobre M. Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma. Rio de Janeiro: Editora Companhia das Letras; 2013.

E a relativa fragilidade da Presidente, que restringiram a sua governabilidade e favoreceram o fortalecimento de forças e agendas conservadoras ao longo do período, cujo ápice resultou na crise de 2015-2016 31 31. Anderson P. Crisis in Brazil. London Review of Books 2016; 38:15-22. Em meados de 2013, uma onda de protestos desencadeados em São Paulo por reação ao aumento de tarifas de transporte, se espalhou pelo país incorporando pautas como críticas ao sistema partidário e denúncias de corrupção.

Estudos sugerem que tais eventos favoreceram a reorganização de movimentos neoconservadores, sob o apoio da grande mídia e de grupos internacionais 33 33. Freixo A, organizador. Manifestações de 2013: as ruas em disputa. Rio de Janeiro: Oficina Raquel; 2016.

(Coleção Pensar Político). Ressalte-se ainda a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, iniciada em 2014, que envolveu denúncias contra políticos de vários partidos – do PT ao PSDB – pelo recebimento de recursos ilegais para campanhas eleitorais, além de denúncias contra empresários do setor privado, dirigentes e funcionários de estatais, com destaque para a Petrobras.

Nos meses seguintes, tais investigações receberam massiva cobertura da grande mídia, incluindo vazamentos seletivos de depoimentos e informações, que se intensificaram na campanha presidencial de 2014. Em que pesem as denúncias contra membros do PT e coligados, não houve evidências até aquele ano de envolvimento do ex-Presidente Lula nem da Presidente Dilma, que foi reeleita, após acirrada disputa eleitoral.

  • Tal campanha presidencial expôs projetos em disputa em torno das possibilidades e limites de se avançar em políticas redistributivas, em um cenário econômico adverso.
  • A quarta derrota sucessiva de um candidato do PSDB para a Presidência em 2014 (dessa vez, Aécio Neves; em 2010, o derrotado foi José Serra) gerou acirramento da polarização política em 2015, ano inicial do segundo mandato de Dilma.

Configurou-se um quadro de instabilidade, com redução da popularidade da Presidente, articulação de forças ultraconservadoras no Congresso Nacional e ameaças de impeachment, O prolongamento da Operação Lava Jato, a politização da atuação do Judiciário e do Ministério Público, o posicionamento antigoverno da grande mídia e o comportamento oportunista de partidos de oposição e mesmo da base governista contribuiriam para acentuar o clima de instabilidade política e institucional, associado ao aumento da projeção de economistas de discurso ultraliberal 34 34.

Fiori JL. O paradoxo e a insensatez. Valor Econômico 2009; 25 set. http://www1.valor.com.br/opiniao/4241452/o-paradoxo-e-insensatez. http://www1.valor.com.br/opiniao/4241452. Diante desse cenário econômico e político desfavorável, o espaço para consolidação de um projeto nacional e de expansão das políticas sociais foi restrito.

No primeiro governo, houve investimentos em infraestrutura econômica e social, incluindo a implantação de programas de habitação popular, a continuidade e expansão das políticas de combate à pobreza, como os programas de transferência de renda (Bolsa Família e BPC), associados a outras estratégias sob a marca “Brasil Sem Miséria”.

  • No que concerne à Previdência Social, as reformas foram incrementais, destacando-se medidas de contenção de despesas e de desoneração fiscal, que prejudicaram as receitas.
  • No regime dos servidores públicos federais, aboliu-se a aposentadoria integral para novos concursados, que passaram a se subordinar ao mesmo teto de contribuição e aposentadoria dos trabalhadores inseridos no regime geral, com possibilidade de adesão à previdência complementar gerida pelo Estado.

Em dezembro de 2014, editou-se medida provisória com imposição de regras mais restritivas de acesso e manutenção de pensões e seguro-desemprego. No segundo governo, foram acentuadas as pressões de grupos neoliberais para reformas drásticas na previdência, ancoradas no discurso de déficit do sistema, sob críticas de especialistas 35 35.

Fagnani E. A Previdência Social não tem déficit; 2016. http://plataformapoliticasocial.com.br/a-previdencia-social-nao-tem-deficit (acessado em Jul/2016). http://plataformapoliticasocial.com.br/a., 36 36. Drummond C. Manipulações e desrespeito à Constituição ocultam saldos positivos. Carta Capital 2016; 6 jun.

http://www.cartacapital.com.br/revista/904/o-deficit-e-miragem. http://www.cartacapital.com.br/revista/9. A política de saúde, por sua vez, novamente foi marcada por continuidades em algumas áreas – atenção básica, vigilâncias – e pela adoção de programas específicos como marcos de governo, sem que problemas estruturais do sistema fossem adequadamente enfrentados.

  • Durante o primeiro Governo Dilma, houve dois Ministros no cargo, com trajetórias na saúde pública e vinculados ao PT.
  • Adotaram-se como marcos governamentais a expansão das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) – outro componente da rede de urgências – e o Programa Mais Médicos.
  • O Programa Mais Médicos trouxe polêmicas e desgaste para o governo ao propor a contratação de médicos formados no exterior (brasileiros ou estrangeiros) sem a necessidade de validação de diplomas, com destaque para os médicos cubanos, cuja lotação foi feita mediante intermediação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

O programa previa a expansão de vagas de graduação e residência médica; mudanças curriculares; e provimento de médicos em áreas de alta vulnerabilidade social e difícil fixação de profissionais. A incorporação de médicos estrangeiros gerou intensa reação negativa da corporação médica, representada pelos conselhos profissionais.

  • Apesar do sucesso do programa no curto prazo, é difícil dimensionar seus custos políticos para o governo e efeitos para o sistema público de saúde em longo prazo, já que a substituição dos médicos estrangeiros seria necessária após três anos de contratação.
  • Em todo o primeiro governo questões-chave para o setor, como o financiamento e a regulação do setor privado, não foram enfrentadas de forma adequada.

Ainda ao final de 2014, uma medida polêmica sustentada pelo governo foi a abertura do setor saúde ao capital estrangeiro, inclusive na prestação de serviços, o que foi amplamente criticado pelos defensores do SUS. Em 2015, sob a intensificação da crise política, novos acontecimentos repercutiram negativamente sobre a saúde.

O Ministro da Saúde que estava no cargo desde fevereiro de 2014 foi substituído por um parlamentar do PMDB, visando a aumentar a base de sustentação do governo. Entre as medidas polêmicas do novo Ministro consta a nomeação para a Coordenação Nacional de Saúde Mental de um ex-dirigente de hospital psiquiátrico do país, conhecido por posições contrárias à luta antimanicomial.

Do ponto de vista epidemiológico, o ano de 2015 ficou marcado também pela identificação do início da epidemia de Zika vírus e sua associação com microcefalia e distúrbios neurológicos em bebês (na infecção contraída pela gestante), configurando-se como uma nova emergência em saúde pública.

  • Em 2016, a política de saúde mergulhou em uma fase de indefinições e instabilidade com o agravamento da crise política, que culminou com o afastamento temporário da Presidenta Dilma Rousseff em maio e a confirmação do seu impeachment pelo Senado Federal em agosto de 2016.
  • Nesse contexto, destacou-se o lançamento de propostas que fragilizariam ainda mais a base financeira do SUS e fortaleceriam os mercados em saúde.

Em síntese, o período de 2011 a 2016, marcado por instabilidade política, sinalizou percalços e riscos de retrocessos para as políticas sociais e de saúde, cujos rumos são incertos. A análise da política de saúde nos últimos 26 anos permite evidenciar numerosas contradições, que podem ser exemplificadas em três desafios estratégicos: a inserção da saúde no modelo de desenvolvimento e na Seguridade Social, o financiamento e as relações público-privadas.

  • No que tange ao primeiro desafio, cabe ressaltar que o projeto da Seguridade Social consolidado na Constituição de 1988 pressupunha forte articulação entre políticas econômicas e sociais 6 6.
  • Baptista TWF.
  • Seguridade social no Brasil.
  • Revista do Serviço Público 1998; 49:101-22.
  • A articulação entre essas políticas deveria se ancorar em um modelo de desenvolvimento que promovesse, simultaneamente, crescimento econômico sustentado e geração de renda e emprego, com redução das desigualdades e ampliação dos direitos sociais.

Ao longo dessas últimas décadas, observam-se diferentes institucionalidades da política social que evidenciam menor ou maior centralidade da área social e do papel do Estado nas estratégias de desenvolvimento 37 37. Viana ALd’A, Silva HP. A política social brasileira em tempos de crise: na rota de um modelo social liberal privado? Cad Saúde Pública 2015; 31:2471-4.

  • Do ponto de vista macroeconômico, a ênfase na estabilidade fiscal e monetária comprometeu maiores avanços na implantação de políticas de corte universal pelas restrições impostas à intervenção estatal e ao gasto social 22 22. Dain S.
  • Os vários mundos do financiamento da saúde no Brasil: uma tentativa de integração.

Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:1851-64. O Brasil experimentou diminuição gradativa da pobreza e das desigualdades, medida, por exemplo, pelo aumento do PIB, da renda média municipal, da renda individual, do poder de consumo das famílias e do nível de escolaridade da população 30 30.

Arretche M, organizadora. Trajetórias da desigualdade: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos. São Paulo: Editora da Unesp; 2015. Entretanto, a concentração de renda nos segmentos mais ricos da população permaneceu elevada, em parte devido à regressividade do padrão tributário vigente 38 38. Medeiros M, Souza PHGF, Castro FA.

A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares. Ciênc Saúde Coletiva 2015; 20:971-86. Com relação aos indicadores de saúde o país também registrou expressivos ganhos, mantendo as tendências de redução da mortalidade infantil e de aumento da expectativa de vida verificadas nas últimas décadas 30 30.

  1. Arretche M, organizadora.
  2. Trajetórias da desigualdade: como o Brasil mudou nos últimos 50 anos.
  3. São Paulo: Editora da Unesp; 2015.
  4. Tais mudanças envolveram a adoção de diferentes iniciativas, dentre as quais destacam-se as de cunho redistributivo 28 28.
  5. Bielschowsky R.
  6. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual.

Economia e Sociedade 2012; 21:729-47., 29 29. Campello T, Neri M, organizadores. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2013. Ainda assim, problemas relativos à desarticulação entre esferas de governo e setores da política social manifestaram-se frequentemente e os esforços de integração mantiveram-se restritos a determinadas estratégias.

No que concerne ao financiamento do SUS, os patamares de gasto público per capita em saúde e o comprometimento do gasto público com a saúde permaneceram abaixo daqueles observados em outros países, mesmo considerando sua maior estabilidade e ampliação nos anos 2000 39 39. Servo L, Piola SF, Paiva AB, Ribeiro JA.

Financiamento e gasto público de saúde: histórico e tendências. In: Melamed C, Piola SF, organizadores. Políticas públicas e financiamento federal do Sistema Único de Saúde. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2011.p.85-108. Houve esforços para a alocação de recursos em regiões mais carentes, mas a permanência de problemas do sistema de partilha fiscal 40 40.

Lima LD. Federalismo fiscal e financiamento descentralizado do SUS: balanço de uma década expandida. Trab Educ Saúde 2009; 6:573-97., associados ao caráter cíclico, com baixa prioridade econômica e fiscal do gasto federal 41 41. Machado CV, Lima LD, Andrade CLT. Federal funding of health policy in Brazil: trends and challenges.

Cad Saúde Pública 2014; 30:187-200., comprometeu maiores impactos redistributivos das transferências setoriais. Avanços do ponto de vista do maior aporte de recursos de origem estadual e municipal foram contrabalançados pela diminuição proporcional do gasto federal, sendo a autonomia no gasto em saúde restrita pelo excesso de condicionalidades para aplicação de recursos transferidos e pelas limitações da legislação vigente.

  • Nos anos 2000, as diferenças nas condições de financiamento e gasto em saúde entre as esferas subnacionais de governo mantiveram-se significativas 40 40. Lima LD.
  • Federalismo fiscal e financiamento descentralizado do SUS: balanço de uma década expandida.
  • Trab Educ Saúde 2009; 6:573-97.
  • No que concerne às relações público-privadas, ressalte-se que a expansão da oferta e do acesso aos serviços públicos no período ocorreu de forma concomitante ao crescimento do setor privado no financiamento e prestação de serviços.
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Os gastos privados permaneceram acima de 50% do gasto total em saúde em todo o período, compostos por desembolsos diretos e pagamentos a planos e seguros de saúde 41 41. Machado CV, Lima LD, Andrade CLT. Federal funding of health policy in Brazil: trends and challenges.

Cad Saúde Pública 2014; 30:187-200. Tais gastos refletem tanto problemas relacionados ao padrão tributário e à renúncia fiscal 42 42. Ugá MAD, Santos IS. Uma análise da progressividade do financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Cad Saúde Pública 2006; 22:1597-609., 43 43. Ocké-Reis CO. Gasto privado em saúde no Brasil.

Cad Saúde Pública 2015; 31:1351-3. como a limites e impasses do próprio financiamento da saúde frente aos desvios no uso de recursos da Seguridade Social, às oscilações de fontes e à fragilidade da política de investimentos 22 22. Dain S. Os vários mundos do financiamento da saúde no Brasil: uma tentativa de integração.

  • Ciênc Saúde Coletiva 2007; 12:1851-64.
  • A prestação privada de serviços ao SUS continuou elevada no âmbito hospitalar e se expandiu no segmento de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico e, mais recentemente, na atenção básica, por meio das novas formas de terceirização, como a contratação de Organizações Sociais.

Destaque-se a expansão do segmento de planos e seguros de saúde, em uma lógica cada vez mais dinâmica do ponto de vista empresarial e financeiro, com a compra de empresas menores por grupos maiores, configurando um fenômeno de financeirização articulado à internacionalização.

  • A ANS não impôs constrangimentos ao crescimento desse segmento.
  • Ao contrário, em vários momentos atuou no sentido da organização e fomento a esses mercados, sob o comando de dirigentes cuja trajetória profissional foi construída no setor a ser regulado 44 44. Bahia L.
  • Financeirização da assistência médico-hospitalar no Governo Lula.

In: Machado CV, Baptista TWF, Lima LD, organizadoras. Políticas de saúde no Brasil: continuidades e mudanças. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2012.p.91-113. A abertura da oferta de serviços de saúde ao capital estrangeiro, formalizada no final de 2014 (antes vetada pela Constituição ), foi defendida e articulada no interior da própria organização 45 45.

Paiva AB, Sá EB, Barros ED, Servo LM, Stivali M, Vieira RS, et al. Saúde. Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise 2015; (23):117-70. A força do setor privado na saúde também se manifestou na crescente atuação desses grupos no financiamento de campanhas eleitorais 46 46. Scheffer M, Bahia L. Representação política e interesses particulares na saúde: a participação de empresas de planos de saúde no financiamento de campanhas eleitorais em 2014.

http://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2015/02/Planos-de-Saude-e-Eleicoes-FEV-2015-1.pdf (acessado em Jul/2016). http://www.abrasco.org.br/site/wp-conten. e na expressão de seus interesses no Congresso Nacional. Ademais, a atuação desses segmentos privados é heterogênea entre grupos sociais (considerando renda, idade, inserção laboral), áreas urbanas e rurais e regiões do país, dada a sua orientação para a busca de lucros.

  • A dinâmica econômica influencia de forma decisiva a configuração e as estratégias desse setor na busca por novas clientelas e oferta de produtos.
  • Acrescente-se que parte expressiva da força de trabalho em saúde – especialmente dos médicos – atua nos setores público e privado, em arranjos variados, sugerindo o seu imbricamento e riscos de conflitos de interesses.

Assim, enquanto parte das desigualdades na oferta de serviços e nos resultados sanitários é atenuada pela expansão de serviços do SUS – especialmente na atenção básica – o dinamismo do setor privado, sob incentivo estatal, tende a reproduzir a estratificação social e a expressão das desigualdades na saúde, sendo ainda susceptível aos ciclos econômicos.

O caráter das relações Estado e mercado na saúde, em que o primeiro fomenta o segundo, público e privado se imbricam e o conflito distributivo é camuflado em um cenário de recursos relativamente escassos, constitui a contradição central da política de saúde no Brasil no período e o principal óbice à consolidação de um sistema público efetivamente universal e igualitário.

Quanto aos limites e pressões que incidiram sobre a política de saúde no período estudado, identificaram-se três grupos de condicionantes: histórico-estruturais, institucionais, político-conjunturais. O primeiro grupo concerne aos legados históricos de longo prazo e fatores macroestruturais que colocam limites às políticas de saúde, como características do modelo de capitalismo brasileiro, das relações Estado-mercado e as desigualdades socioeconômicas que explicam a persistência da segmentação do sistema de saúde, do caráter das relações público-privadas e das desigualdades em saúde.

Por outro lado, a tradição secular de atuação do Estado brasileiro na saúde pública 2 2. Lima NT, Fonseca CMO, Hochman G. A saúde na construção do Estado Nacional no Brasil: Reforma Sanitária em perspectiva histórica. In: Lima NT, Gerschman S, Edler FC, Manuel Suárez J, organizadores. Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS.

Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.p.27-58., no controle de doenças sob vigilância, prestação de serviços, produção de vacinas e medicamentos, conferiu certa base material e reconhecimento da legitimidade estatal para coordenar o sistema de saúde.

  • Quanto aos condicionantes institucionais, em que pesem as dificuldades, o marco constitucional-legal teve caráter protetor do direito à saúde e favoreceu a luta política em torno da construção do SUS, mesmo em contextos em que a agenda neoliberal ganhou força, como nos anos 1990.
  • As estratégias específicas implantadas na saúde, reguladas por normas e mecanismos de financiamento, favoreceram a expansão de serviços públicos e a continuidade de políticas ao longo de distintos governos, com predomínio de mudanças incrementais.

Ressalte-se, no entanto, que a Constituição reconheceu a saúde como livre à iniciativa privada, e que regras relativas aos subsídios estatais ao setor privado foram mantidas ou expandidas no período. Além disso, foram criadas leis que favoreceram a expansão da prestação privada na saúde, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (ao restringir gastos com os servidores públicos) e as leis das Organizações Sociais.

  1. O âmbito político-conjuntural refere-se aos processos políticos, acontecimentos, distribuição de poder e relações entre atores políticos em conjunturas específicas de menor duração.
  2. No período, os principais defensores do SUS foram entidades de Saúde Coletiva e outras afins, parte dos gestores, técnicos e profissionais de saúde do SUS nas diferentes esferas de governo, conselheiros de saúde e, ainda, membros do Ministério Público e da Defensoria atuantes na área.

Por outro lado, a implantação do SUS foi prejudicada por atores que defenderam pautas centradas na contenção de gastos sociais (como as autoridades econômicas) e na expansão de mercados privados (empresas da saúde). Os distintos Presidentes defenderam a expansão de políticas específicas – adotadas como marcos de governo – e, a depender de sua orientação política, deram espaço variável a grupos progressistas no interior do Executivo.

Houve ainda grupos de atores – médicos e sindicatos – cujas agendas políticas tiveram caráter eminentemente corporativo, com defesa de pontos que poderiam favorecer ora o SUS, ora o setor privado lucrativo. Os avanços, dificuldades e condicionantes específicos relativos a cada desafio são resumidos na Figura 2,

Figura 2 Avanços, dificuldades e condicionantes segundo desafios estratégicos para a consolidação do caráter público e universal da política de saúde no Brasil. A condução nacional da política de saúde nos 26 anos da democracia apresentou continuidades e mudanças nos diferentes contextos, que se expressaram no processo político e no conteúdo da política.

A análise dos condicionantes da política mostrou que o marco constitucional, os arranjos institucionais e a luta política de atores setoriais foram fundamentais para a expansão de programas específicos e serviços públicos, que por sua vez conferiram materialidade, favoreceram resultados sanitários positivos e ampliaram em alguma medida a base de apoio ao SUS, ao menos setorial.

No entanto, limites histórico-estruturais e legados institucionais se expressaram fortemente no período. O caráter das relações Estado-mercado no capitalismo brasileiro e na saúde, e a marcante estratificação social limitaram as transformações necessárias à consolidação do SUS.

  1. Distorções históricas do sistema de saúde mal equacionadas entre 1985 e 1990, relacionadas à regulamentação da Seguridade, ao financiamento e às relações público-privadas, se manifestaram de forma contundente nos anos subsequentes.
  2. Houve variações de contexto entre governos, com influências sobre as políticas sociais e de saúde.

Porém, nenhum governo nacional do período assumiu como prioridade política a consolidação de um sistema de saúde universal, o que implicaria mudança no estatuto político da saúde e da seguridade, inseridas em modelo de Estado e de desenvolvimento mais redistributivo.

Assim, não foram enfrentados obstáculos estruturais no âmbito do financiamento e das relações público-privadas; ao contrário, diversos incentivos do Estado aos mercados em saúde foram mantidos ou ampliados. Não houve a conformação de uma coalizão de poder abrangente, além do setor saúde, em torno de uma agenda universalista, o que implicaria rupturas drásticas com os arranjos econômicos vigentes.

Como limitações do estudo, destacamos que o amplo recorte temporal não permitiu aprofundar temas relevantes para o sistema de saúde, como relações intergovernamentais, organização territorial, gestão do trabalho, modelo de atenção e participação social.

Outra limitação concerne ao foco na atuação do Executivo Federal, com escassa consideração de atores subnacionais e outros atores sociais, importantes em contextos federativos e democráticos. Também não foram exploradas outras questões relevantes, como as transformações da geopolítica internacional, na macroeconomia e na demografia, que podem afetar as políticas de saúde.

O Brasil expressa de forma contundente as tensões na construção de um sistema de saúde universal em um país capitalista periférico extremamente desigual. Configura-se uma situação contraditória, de coexistência de um sistema público de dimensões expressivas, baseado na diretriz da universalidade, com mercados privados dinâmicos e em ascensão, que disputam os recursos do Estado e das famílias, espoliam a possibilidade de consolidação de um sistema de saúde de fato único e igualitário, reiteram a estratificação e as desigualdades sociais.

Diante do legado histórico-estrutural do sistema de proteção social, da persistência de fragilidades institucionais e do fortalecimento de ideias neoconservadoras e neoliberais, em um momento de instabilidade econômica e política, com ameaças à democracia brasileira, existem sérios riscos de retrocessos nas conquistas que haviam sido alcançadas na área social e na saúde no período pós-constitucional.C.V.

Machado e L.D. Lima são bolsistas de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As pesquisas que deram origem ao artigo foram financiadas com recursos do Edital Universal do CNPq 2013 e do Programa de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Saúde Pública da Escola Nacional de Sáude Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (Inova-ENSP-2013).
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