Atos Preparatorios Sao Puniveis Pelo Direito Penal?
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Quando os atos preparatórios são puníveis?
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Com o advento da Lei 13.260/2016, a conhecida Lei “Antiterrorismo”, uma questão veio à tona em relação à sua estrutura dogmática. O novel diploma prevê a possibilidade de punição criminal para os atos preparatórios daquilo que está definido como terrorismo, para os quais a pena cominada “correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade” (art.5.º).
Apresenta-se, pois, uma exceção à regra dominante de que a punibilidade surge a partir do primeiro ato executório, o que representa um perigo a um dos mais caros princípios do Direito Penal: o da legalidade. Conforme a doutrina tradicional, o iter criminis (caminho do crime) tem seu início na cognição do agente, desenvolve-se com os atos preparatórios, tem seu limiar de concretização com os atos executórios e é finalizado com a consumação.
Obviamente, a cognição é impunível porque não é legítima a responsabilidade penal pelo simples pensamento. A mera vontade de praticar um ato ilícito não pode ser objeto de punição dado o seu inexistente potencial lesivo. A imposição de responsabilidade penal aos pensamentos significaria verdadeira demonstração de um direito penal da pessoa, que se contrapõe ao Direito Penal do fato.
- Os atos preparatórios, aqueles que antecedem a fase da execução, somente são puníveis quando constituem um tipo penal autônomo, ou seja, quando possuem seu próprio iter criminis.
- Por exemplo, quando alguém adquire ilegalmente uma arma de fogo com o intuito de praticar um roubo, a aquisição dessa arma é punível com fundamento no Estatuto do Desarmamento, não como ato preparatório do roubo.
E qual a razão da impunidade dos atos preparatórios? O Direito Penal não pode se antecipar à execução para punir, com a presunção de que o comportamento suspeito será o início de um ato ilícito. Enquanto não houver o início da execução, deve-se presumir que a conduta é lícita (princípio da presunção de inocência); tanto que se o ato preparatório, por si, representar um perigo a um bem jurídico, a própria legislação o reconhece como um tipo penal autônomo.
Assim, em conservação ao princípio da lesividade, o mínimo que se exige para responsabilizar penalmente alguém é a maior proximidade de perigo ao bem jurídico tutelado. Para isso, é necessário que haja um bem jurídico definido, relevante e indispensável para a convivência harmoniosa em sociedade. Quando se fala em terrorismo, ocorre um primeiro problema: qual o bem jurídico tutelado? Há realmente um bem jurídico palpável a ser tutelado ou temos uma norma de precaução, que criminaliza determinados comportamentos apenas porque devem ser proibidos? Na hipótese de normas de precaução, nota-se uma elevação dos crimes de perigo abstrato, os quais presumem uma situação de perigo ao bem tutelado, este nem sempre definido ou palpável.
A tipificação da nova lei está estruturada da seguinte forma: primeiro, define-se o terrorismo; depois, descrevem-se as formas como o terrorismo pode ser praticado; por fim, declaram-se as situações que não se enquadram no conceito inicial. Deve haver a conjugação de pelo menos um dos comportamentos descritos (art.2.º, § 1.º) com a finalidade específica de praticar o terrorismo (art.2.º, caput).
Ademais, por exclusão (art.2.º, § 2.º), tais comportamentos não podem configurar “manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.
Não bastasse a dificuldade em definir terrorismo, o legislador emplacou a punição aos atos preparatórios (art.5.º). Quer dizer, se o crime de terrorismo consumado já é complexo, pois depende da combinação de diversas elementares, tanto de ordem objetiva quanto subjetiva, seus atos preparatórios exigem ainda mais cautela.
Na cabeça do intérprete, qualquer coisa poderá ser ato preparatório para o terrorismo. Vejamos alguns exemplos: (1) um sujeito decide viajar a um país conhecido por abrigar grupos extremistas; (2) estudantes que, por meio de fóruns de discussão na internet, discorrem sobre a “opressão do ocidente contra o oriente” e, determinado dia, decidem se reunir pessoalmente; (3) numa conversa interceptada, um dos interlocutores, de forma jocosa, diz que gostaria de “explodir” o Congresso Nacional.
Cada um desses exemplos pode, a juízo do intérprete, configurar ato preparatório de terrorismo, o que permitiria antecipar a punição por comportamentos que sequer seriam praticados. Nos exemplos citados, o sujeito pode ter viajado a turismo, como os estudantes teriam se reunido apenas para conversar e o interlocutor da conversa não tem a mínima noção de como lidar com explosivos.
- Pior situação é o intuito de praticar outros crimes que não sejam o terrorismo e o ato preparatório não puder ser punido.
- O sujeito compra um pacote de veneno porque quer provocar diversas mortes, porém, sem o dolo de provocar “terror generalizado”, em uma pequena comunidade, pela contaminação da água potável que chega aos cidadãos.
Se esse sujeito for interceptado a caminho da represa, com o pacote de veneno, sem iniciar os atos de execução, não poderá ser punido criminalmente. Entretanto, se houver o dolo específico do terrorismo, caberá a punição. O problema se agrava para se determinar os atos preparatórios, uma vez que os tipos abertos de terrorismo se tornam escancarados.
- Acrescenta-se verdadeira violação ao princípio da proporcionalidade na cominação das penas aos atos preparatórios.
- Na lei não há preceito que regule tratamento punitivo diverso à tentativa.
- Logo, aplica-se a regra geral contida no Código Penal (art.12).
- Com efeito, a tentativa de qualquer das condutas conjugadas (§ 1.º com o caput do art.2.º) poderão ser punidas de forma mais branda que um mero ato preparatório dessa mesma ação.
Veja-se que o máximo de diminuição de pena pela tentativa corresponde a dois terços, ao passo que a redução pela prática de atos preparatórios é, no máximo, de metade. Tal interpretação, parece ser uma afronta ao princípio da proporcionalidade Acreditamos que a solução menos complicada seria não definir o terrorismo, mas somente descrever as condutas que possam gerar insegurança individual e/ou coletiva, como motivo de alarme social ou de medo anormal.
Estes comportamentos incomuns, aparentemente ilícitos, que poderiam configurar atos preparatórios de terrorismo, deveriam ser tipificados autonomamente, como normas de precaução, nos limites da legitimidade do perigo abstrato. Os comportamentos comuns, mesmo que destinados à prática de atos de terror, não podem ser punidos criminalmente.
Não se pode partir de uma presunção de que qualquer conduta praticada por uma pessoa suspeita, necessariamente, desdobrará em um atentado. Tudo o que foi dito até agora, de forma alguma, rejeita as estratégias que devem ser aplicadas no combate aos atos de terrorismo.
O que se repudia é a falta de cautela na criminalização de condutas, especialmente com a criação de tipos penais abertos, cuja interpretação permite abranger qualquer conduta, seja ou não perigosa, a depender do intuito punitivo do profissional jurídico. Ao que parece, não há necessidade de mudança legislativa no plano material.
O combate ao terrorismo demanda serviço de inteligência das forças de segurança, maior eficiência na investigação e cooperação internacional. Não há lei que sobreviva à falta de estratégia nas políticas de segurança pública.
João Paulo Orsini Martinelli Pós-Doutor em Direitos Humanos pela Universidade de CoimbraDoutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USPPós-Doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra Leonardo Schmitt de Bem Professor adjunto da Universidade Estadual de Mato Grosso do SulDoutor em Direito Penal pela Università degli Studi di Milano, ItáliaDoutor em Direitos e Liberdades Fundamentais pela Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha
: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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É correto afirmar que a fase de atos preparatórios nunca é punida pela lei penal?
O Direito Penal não admite a punição de atos meramente preparatórios à execução de um crime, pois se trata de violação ao princípio da lesividade. Os atos preparatórios, em regra, são impuníveis.
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Quais as teorias que diferenciam atos preparatórios de atos executórios do crime?
Na busca da diferença entre atos preparatórios e de execução, existem várias teorias: (A) Teoria da hostilidade ao bem jurídico ou critério material : Atos executórios são aqueles que atacam o bem jurídico, criando-lhe uma situação concreta de perigo.
(B) Teoria objetivo-formal : Atos executórios são aqueles que iniciam a realização do núcleo do tipo. (C) Teoria objetivo-material : São atos executórios aqueles em que se inicia a prática do núcleo do tipo, bem como os atos imediatamente anteriores, com base na visão de terceira pessoa alheia à conduta criminosa.
(D) Teoria objetivo-individual : Atos executórios são aqueles que, de acordo com o plano do agente, realizam-se no período imediatamente anterior ao começo da execução típica. Material extraído da obra Manual de Direito Penal (parte geral)
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O que diz o artigo 291 do Código Penal?
Artigo 291 – Art.291 – Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda: Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa. Emissão de título ao portador sem permissão legal
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Qual a diferença entre atos preparatórios e executórios?
(iii) Teoria da hostilidade ao bem jurídico: atos executórios são aqueles que atacam o bem jurídico, enquanto os atos preparatórios não caracterizam afronta ao bem jurídico.
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Quais são as fases de iter criminis?
1) cogitação: é o momento de ideação do delito, ou seja, quando o agente tem a ideia de praticar o crime; a.2) deliberação: trata-se do momento em que o agente pondera os prós e os contras da atividade criminosa idealizada; a.3) resolução: cuida do instante em que o agente decide, efetivamente, praticar o delito.
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Quais as espécies de atos preparatórios?
Os atos preparatórios são aqueles realizados em momento anterior ao da execução do delito. Trata-se de uma fase entre a cogitação e a execução. Esses atos somente são puníveis quando constituírem, por si só, infração penal. Um exemplo de ato preparatório punível é o delito de petrechos para falsificação de moeda (art.
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Como se pune a tentativa?
Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
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O que diz o artigo 175 do Código Penal?
175 – Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor: I – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; II – entregando uma mercadoria por outra: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
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O que diz o artigo 271 do Código Penal?
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal Art.271 – Corromper ou poluir água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos. Modalidade culposa Parágrafo único – Se o crime é culposo: Pena – detenção, de dois meses a um ano. Corrupção, adulteração ou falsificação de substância alimentícia ou medicinal
: Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal
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O que é um ato criminal?
Mestre em Ciências Jurídico-Políticas Crime é um ato que é proibido por lei e que tem uma pena determinada caso seja realizado. É uma ação praticada por uma pessoa que vai contra a lei e que recebe uma punição. O crime é uma atitude, que pode ser cometida por uma pessoa ou por um grupo, que viola a lei penal e tem consequências punitivas (aplicação de uma pena).
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Quando se inicia os atos executórios?
357), a fase da execução, ou dos atos executórios, é aquela em que se inicia a agressão ao bem jurídico, por meio da realização do núcleo do tipo penal. O agente começa a realizar o verbo (núcleo do tipo) constante da definição legal, tornando o fato punível.
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Quais são as fases de iter criminis?
1) cogitação: é o momento de ideação do delito, ou seja, quando o agente tem a ideia de praticar o crime; a.2) deliberação: trata-se do momento em que o agente pondera os prós e os contras da atividade criminosa idealizada; a.3) resolução: cuida do instante em que o agente decide, efetivamente, praticar o delito.
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