Artigo Sobre Violencia Na Escola?
Conflitos, indisciplina e violência em escolas O Tema em Destaque desta edição de Cadernos de Pesquisa – “Conflitos, indisciplina e violência em escolas” – apresenta estudos e pesquisas em torno de questões que incidem, cada vez mais, nas relações cotidianas no espaço escolar no que se refere a situações de conflito e violência envolvendo alunos,professores, equipes de direção e funcionários.
- Destaque deve ser dado ao fato de que esses problemas lograram centralidade como tema na literatura da área e na mídia, sendo ainda pauta de inúmeros programas e projetos de diferentes esferas de governo.
- Ressalte-se ainda que os estudos ora apresentados configuram missões e parcerias estabelecidas no escopo de investigação maior denominada Conflitos no espaço escolar: a gestão de escolas públicas em contextos vulneráveis, financiada pelo Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – e pela Fundação Carlos Chagas, incluindo-se a realização de dois seminários com a participação de pesquisadores especialistas no tema em pauta.
Nessa direção, Angela Maria Martins, Cristiane Machado e Ecleide Cunico Furlanetto, no artigo “Mediação de conflitos em escolas: entre normas e percepções docentes”, analisam dados obtidos em investigação que se propôs a estudar o programa de governo denominado Sistema de Proteção Escolar – SPE -, implantado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo – SEE-SP – desde 2010.
- As autoras esclarecem que a investigação tomou como pressuposto, no campo da análise de políticas educacionais, a relevância de se analisarem programas de governo, levando em consideração o que pensam e/ou como agem os atores responsáveis por sua operacionalização.
- Assim, propõem compreender as percepções de Professores Mediadores Comunitários – PMECs -, profissionais responsáveis pela operacionalização do referido programa, sobre situações de conflito e violência, na perspectiva da microssociologia.
Inicialmente, o artigo constrói um painel sobre a função social da escola, assinalando que, no cenário contemporâneo, não basta às escolas se preocuparem apenas com as relações de ensino e de aprendizagem, com foco na permanência em sala de aula de alunos e professores, pois precisam se preparar para enfrentar situações de indisciplina juvenil e de conflitos, que podem degenerar em violência.
Na sequência, com base em dados obtidos por meio de questionário semiestruturado aplicado a 49 professores mediadores comunitários, identificam tendência de ampliação dos níveis de intolerância e de conflito no contexto escolar, o que pode ser creditado ao fato de que as lógicas manifestas por jovens no espaço escolar nem sempre se conjugam com as lógicas secularmente expressas nas escolas.
Destaquem-se duas contribuições relevantes oriundas de pesquisas realizadas em Portugal em torno da temática. Uma rigorosa revisão de literatura sobre indisciplina, violência e bullying, elaborada por Mariana Gaio Alves, no artigo “Viver na escola: indisciplina, violência e bullying como desafio educacional”, identifica os problemas que cercam a delimitação conceitual e a operacionalização empírica dessas noções, no escopo de estudos na área da educação realizados em Portugal.
A autora apresenta e sistematiza resultados de investigações que tratam do tema e de seu rebatimento no cotidiano escolar, com foco nas questões de prevenção e regulação desse tipo de situação em contexto escolar. Trata-se de uma meta-análise com base em teses de doutoramento defendidas em universidades portuguesas, fontes documentais acessíveis por meio do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal – RCAAP.
O texto explicita os procedimentos utilizados na meta-análise e as características gerais dos trabalhos acadêmicos; na sequência, explora as opções metodológicas adotadas pelos estudantes portugueses e seus principais resultados. Mariana Gaio Alves examina a tensão entre discursos midiáticos com ampla exposição das situações de conflitos e violência em escolas, e resultados das investigações analisadas, pois estas revelam a construção de uma percepção social acerca desses fenômenos, considerando que essa visibilidade midiática integra um conjunto de debates e críticas sobre o sistema de educação português, cujos problemas são ampliados pela imprensa.
O texto, além de ampliar e aprofundar o conhecimento e a reflexão sobre as questões de indisciplina, violência e bullying nas escolas, possibilita identificar tendências de investigação que poderão ser desenvolvidas a partir das constatações dos estudos doutorais que vêm sendo elaborados em universidades portuguesas.
Ainda com foco nas violências e indisciplinas, Daniel Abud Seabra Matos e Maria Eugénia Ferrão, no artigo “Repetência e indisciplina: evidências de Brasil e Portugal no Pisa 2012”, apontam a preocupação com a persistente associação entre a repetência, as altas taxas de abandono escolar e o tempo necessário para a escolarização, o que se consubstancia a partir de fatores socioeconômicos.
- Esclarecem a associação existente entre repetência e indisciplina escolar, com base em pesquisa sobre repetência escolar no Brasil e em Portugal, a partir dos dados do Pisa 2012, bem como da aplicação de um modelo logístico multinível tendo a repetência como variável dependente.
- Relacionam características dos estudantes e das escolas que estejam associadas à probabilidade de repetência dos alunos.
Destacam, dentre os dados coletados, indicadores associados ao ambiente de aprendizagem da sala de aula, o clima disciplinar e a relação professor-aluno. Ao final, concluem pela negação da hipótese levantada (quanto melhor a relação professor-aluno, menor a probabilidade de repetência), ao mesmo tempo em que confirmam que, quanto maior a indisciplina, maior será a probabilidade de repetência.
Na comparação entre os dois países, constatam que, em ambos, o clima disciplinar funciona como um fator de proteção com relação à repetência: quanto menor a indisciplina na sala de aula, menor é a probabilidade de repetência, sendo que, no Brasil, o efeito do clima disciplinar ao nível do aluno é maior do que o efeito do nível socioeconômico do aluno.
No artigo “Opressão nas escolas: o bullying entre estudantes do ensino básico”, Cíntia Santana e Silva e Bruno Lazzarotti Diniz Costa discutem o caráter prejudicial das práticas de bullying em escolas, lançando mão de pesquisa exploratória realizada com alunos dos últimos anos do ensino fundamental e do ensino médio das escolas estaduais de Minas Gerais.
- Tomando como referência uma atual e vasta literatura da área, os autores assinalam diversas consequências no campo psicológico ou social nessas situações, o que ocasiona diminuição ou perda da autoestima, aumento do sentimento de insegurança, de ansiedade e depressão.
- A pesquisa aponta que esse contexto pode induzir alunos a diminuírem o interesse pela escola e para frequentar as aulas, o que provoca desdobramentos tais como o comprometimento na aprendizagem e no rendimento escolar, levando a situações de evasão, de nervosismo, de dificuldade de concentração e até mesmo possibilidades de automutilação e tendências suicidas.
O texto conclui que os efeitos deletérios não incidem sobre os próprios alunos somente, pois envolvem os professores, outro segmento afetado por episódios de bullying no ambiente escolar. Em suma, essas práticas podem transformar a escola em ambiente violento, onde a impotência – de professores e alunos – compromete o processo educacional como um todo.
Em “Indisciplina escolar: um itinerário de um tema/problema de pesquisa”, Julio Groppa Aquino realiza levantamento de artigos publicados em periódicos brasileiros no intervalo de 1998 a 2015, em que analisa o que vem sendo formulado como indisciplina escolar, acentuando duas grandes linhas: a primeira concentrada nas modalidades de apreensão dos atos indisciplinados operadas pelos estudos, e a segunda, com foco nas propostas de enfrentamento do problema, suscitadas pelos pesquisadores.
O itinerário da discursividade acerca da indisciplina escolar é marcadamente compreendido como parte fundamental dos regimes de verdade correntes, e não como abordagem normatizadora. Em sua conclusão, alerta o autor para os cuidados que se deve ter em não cair na armadilha do que denomina convocação salvacionista da escola para abarcar toda a problemática social e, em seu lugar, considerar a diversidade de significados presentes no âmbito escolar a respeito da indisciplina, que deve ser esclarecida a fim de se efetivar uma escolarização democrática.
O artigo intitulado “Conflitos, violências, injustiças na escola? Caminhos possíveis para uma escola justa” demarca a contribuição de Flávia Schilling e Carla Biancha Angelucci, no sentido de nos fazerem ver como a experiência do justo se relaciona ao reconhecimento social das condições em que a vida se produz.
Baseiam-se em Paul Ricoeur (2008), para quem “a justiça é uma força importante para dar conta da violência”. As autoras buscam entender a escola em seus jogos complexos de reprodução e transformação, de liberdade e sujeição, com espaços e interstícios de autonomia, defendendo a ideia de que “o que define uma democracia ou uma instituição democrática não é necessariamente o consenso, mas sim a possibilidade de lidar com o dissenso de forma não violenta”.
Categorizam diferentes sentidos de injustiças, sempre relacionados à quebra de algum princípio de igualdade. Apresentam dados de pesquisa realizada com estudantes de ensino médio, educação de jovens e adultos e ensino superior e professores da rede pública estadual paulista de educação, a respeito das percepções sobre o justo e o injusto na escola.
Descrevem situações de injustiça nas escolas para, ao final, delinear uma proposta de escola justa, suscitando novas possibilidades para o enfrentamento do desafio da violência. Alice Miriam Happ Botler discute de que forma o sentimento de injustiça emerge no contexto escolar, relacionando-o a possíveis origens de conflitos e violências, com base em estudo de caso implementado no município de Recife (PE).
O artigo intitulado “Injustiça, conflito e violência: um estudo de caso em escola pública de Recife” encerra período de licença capacitação realizada na Fundação Carlos Chagas, sob supervisão de Angela Maria Martins, no escopo da pesquisa Conflitos no espaço escolar: a gestão de escolas públicas em contextos vulneráveis, financiada pelo Edital Universal do CNPq e pela Fundação Carlos Chagas.
O estudo apresentado tem como propósito analisar concepções que estudantes, professores e gestores têm de justiça, escola justa, práticas justas/injustas no interior da organização escolar. Inicialmente, discute concepções de justiça ancoradas na literatura da área e, na sequência, dá visibilidade às questões que permeiam práticas justas/injustas nas experiências vivenciadas no espaço escolar.
Nessa direção, a autora parte do pressuposto de que a justiça, pautada por critérios de igualdade formal, se estabelece na relação entre as pessoas no escopo do direito e também no âmbito das práticas, quando entram em cena critérios distributivos. O artigo conclui que estudantes, professores e equipes de direção não têm clareza a respeito de práticas justas e injustas, o que pode limitar a capacidade das escolas de intervir para minimizar consequências advindas de injustiças ali praticadas.
Os artigos reunidos apontam questões norteadoras que afetam a gestão de sistemas, redes de ensino e unidades escolares, tendo em vista que o século XXI vem criando necessidades aos atores escolares, demandando urgência na redefinição do modelo de educação construído a partir da ascensão do estado moderno.
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O que é violência na Escola?
INTERFACE A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão Violence in schools: how French sociologists approach the issue Bernard Charlot Professor de Ciências da Educação, ESCOL, Université Paris 8 Saint Denis RESUMO A violência na escola é um fenômeno social.
- Para tornar-se objeto de pesquisa, esse fenômeno deve ser definido pelo pesquisador.
- Ademais, uma boa parte do esforço de pesquisa consiste em definir do que se fala.
- Este artigo analisa a maneira como os sociólogos franceses abordam a questão da violência e as distinções conceituais que eles propõem: a violência na escola, à escola e da escola; a violência, a agressão, a agressividade; a violência, a transgressão, a incivilidade, etc.
Por baixo da violência como sintoma, é necessário estudar a tensão engendrada, ao mesmo tempo, pelas relações sociais e pelas práticas quotidianas da escola. Palavras-chave: violência, escola, relações sociais, práticas pedagógicas. ABSTRACT Violence in schools is a social phenomenon.
In order to become a research object, that phenomenon must be defined by the researcher. Besides, a great deal of the research effort consists in defining what one is speaking about. This article examines the way French sociologists approach the issue of violence and the conceptual distinctions they put forward: violence in the school, to the school and by the school; violence, aggression, aggressiveness; violence, transgression, incivility, etc.
Behind violence as a symptom, it urges to study the tension simultaneously engendered by social relations and everyday school practices. Key words: violence, school, social practices, pedagogical practices. A questão da violência na escola é colocada insistentemente hoje na França, seja na mídia, seja nos próprios estabelecimentos escolares – em particular nos bairros “problemáticos”, freqüentemente situados no subúrbio.
Ela se tornou igualmente um objeto de pesquisa para os sociólogos cuja dificuldade principal é, sem dúvida, saber como falar com rigor desta noção de “violência” que compreende coisas muito diferentes.1 A violência na escola: um fenômeno novo? Os professores e a opinião pública pensam a violência como um fenômeno novo que teria surgido nos anos 80 e se teria desenvolvido nos anos 90.
Na verdade, historicamente a questão da violência na escola não é tão nova. Assim, no século XIX, houve, em certas escolas de 2 º Grau, algumas explosões violentas, sancionadas com prisão. Da mesma forma, as relações entre alunos eram freqüentemente bastante grosseiras nos estabelecimentos de ensino profissional dos anos 50 ou 60.
- Todavia, se a violência na escola não é um fenômeno radicalmente novo, ela assume formas que, estas sim, são novas.
- Primeiramente surgiram formas de violência muito mais graves que outrora: homicídios, estupros, agressões com armas.
- É certo que são fatos que continuam muito raros, mas dão a impressão de que não há mais limite algum, que, daqui por diante, tudo pode acontecer na escola – o que contribui para produzir o que se poderia chamar de uma angústia social face à violência na escola.
Além disso, os ataques a professores ou os insultos que lhes são dirigidos já não são raros: aí também, um limite parece ter sido transposto, o que faz crescer a angústia social. Em segundo lugar, os jovens envolvidos nos fatos de violência são cada vez mais jovens.
Os alunos de 8 a 13 anos, às vezes, revelam-se violentos até frente aos adultos; professoras da escola maternal dizem que elas também se defrontam com fenômenos novos de violência em crianças de quatro anos. É a representação da infância como inocência que é atingida aqui, e os adultos se interrogam hoje sobre qual será o comportamento dessas crianças quando se tornarem adolescentes.
Há igualmente aí uma fonte de angústia social face à violência escolar. Em terceiro lugar, assiste-se, há alguns anos, a um aumento do número “de intrusões externas” na escola: trata-se, por vezes, da entrada nos estabelecimentos escolares, até mesmo nas próprias salas-de-aula, de bandos de jovens que vêm acertar, na escola, contas das disputas nascidas no bairro; trata-se, mais seguidamente ainda, de um pai, de uma mãe, de um irmão, de um amigo, que vem vingar brutalmente uma “injustiça” sofrida por um aluno, da parte de um membro do pessoal da escola.
Há aí uma outra fonte de angústia social: a escola não se apresenta mais como um lugar protegido, até mesmo sagrado, mas como um espaço aberto às agressões vindas de fora. Em quarto lugar, os docentes e o pessoal administrativo da escola, nos bairros problemáticos, são, às vezes, objeto de atos repetidos, mínimos, que não são violências em si mesmos, mas cuja acumulação produz um estado de sobressalto, de ameaça permanente: mesmo quando a escola, em um momento dado, parece (relativamente) calma, o pessoal sabe que essa calma pode ser quebrada no instante seguinte.
O símbolo desse sobressalto é o disparofreqüente das sirenes de incêndio, várias vezes ao dia. A angústia social acarretada por esses fenômenos aumenta tanto mais, quanto incidentes violentos, até mesmo muito graves, podem acontecer em estabelecimentos escolares que pareciam dever escapar a eles (colégio de centro de cidade do interior, por exemplo), e essa violência escolar parece aumentar, apesar dos “planos” e medidas postos em prática há uma dezena de anos: tudo se passa como se a violência na escola estivesse convertendo-se em um fenômeno estrutural e não mais, acidental e como se, depois de instalada nas escolas de bairros problemáticos, ela se estendesse hoje a outros estabelecimentos.
- Tal situação de angústia social leva a discursos sociomidiáticos que têm a tendência de amalgamar fenômenos de natureza muito diferente.
- Também os sociólogos e os pesquisadores em ciências da educação são obrigados a elaborar, em seus trabalhos, distinções conceituais que permitam introduzir uma certa ordem na categorização dos fenômenos considerados como “violência na escola”.
Mas esta tarefa não é fácil.2 Distinções conceituais necessárias. e difíceis 1 É preciso, inicialmente, distinguir a violência na escola, a violência à escola e a violência da escola. A violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar: quando um bando entra na escola para acertar contas das disputas que são as do bairro, a escola é apenas o lugar de uma violência que teria podido acontecer em qualquer outro local.
- Pode-se, contudo, perguntar-se por que a escola, hoje, não está mais ao abrigo de violências que outrora se detinham nas portas da escola.
- A violência à escola está ligada à natureza e às atividades da instituição escolar: quando os alunos provocam incêndios, batem nos professores ou os insultam, eles se entregam a violências que visam diretamente a instituição e aqueles que a representam.
Essa violência contra a escola deve ser analisada junto com a violência da escola: uma violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modos de composição das classes, de atribuição de notas, de orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos alunos como injustos ou racistas.).
Esta distinção é necessária: se a escola é largamente (mas não totalmente) impotente face à violência na escola, ela dispõe (ainda) de margens de ação face à violência à escola e da escola.2 Parece igualmente útil guardar certa isenção em relação à representação dominante do problema, a de jovens violentos que agridem os adultos da escola.
Se os jovens são os principais autores (mas não os únicos) das violências escolares, eles são também as principais vítimas dessa violência. O problema da violência na escola é ainda, e até mesmo, em termos estatísticos, o dos alunos vítimas de violência.
- Mas esta questão tornou-se mais difícil pelo fato de que os alunos autores e os alunos vítimas se assemelham com bastante freqüência, do ponto de vista estatístico.
- São jovens fragilizados de um ou de outro ponto de vista, ou de vários pontos de vista cumulados: rapazes (mas a violência das moças aumenta atualmente), alunos com dificuldades familiares, sociais e escolares (isto é, alunos matriculados nas habilitações, nos estabelecimentos, nos departamentos ou classes mais desvalorizados).
Não esqueçamos também as violências sociais, cujas vítimas mais freqüentes são os jovens: desemprego, acidentes nas estradas, droga, agressões sexuais, etc.3 Seria ainda pertinente distinguir a questão da violência, a da agressão e a da agressividade 1 1 Cf.
- Jacques PAIN, Écoles, violence ou pédagogie? Vigneux: Matrice, 1992.
- A agressividade é uma disposição biopsíquica reacional: a frustração (inevitável quando não podemos viver sob o princípio único do prazer) leva à angústia e à agressividade.
- A agressão é um ato que implica uma brutalidade física ou verbal ( agredire é aproximar-se, abordar alguém, atacá-lo).
A violência remete a uma característica desse ato, enfatiza o uso da força, do poder, da dominação. De certo modo, toda agressão é violência na medida em que usa a força. Mas parece pertinente distinguir a agressão que utiliza a força apenas de maneira instrumental, até mesmo que se limita a uma simples ameaça (como a extorsão para apossar-se, por exemplo, de tênis, bonés ou outro qualquer pertence pessoal de alguém: se a vítima não resiste, não é ferida) e a agressão violenta, na qual a força é utilizada muito além do que é exigido pelo resultado, com uma espécie de prazer de causar mal, de destruir, de humilhar.
É uma ilusão crer que se possa fazer desaparecer a agressividade e, como conseqüência, a agressão e o conflito. Aliás, seria isso desejável, levando-se em conta que a agressividade sublimada é a fonte de condutas socialmente valorizadas (no esporte, na arte, nas diversas formas da concorrência) e se o conflito é também um motor da História, como pensava Hegel? A questão é saber quais são as formas de expressão legítimas ou aceitáveis da agressividade e do conflito.
É a violência enquanto vontade de destruir, de aviltar, de atormentar, que causa problema – e que causa mais problema ainda em uma instituição que, como a escola, inscreve-se na ordem da linguagem e da troca simbólica e não na da força física. Concretamente isso significa que o problema não é fazer desaparecer da escola a agressividade e o conflito, mas regulá-los pela palavra e não pela violência – ficando bem entendido que a violência será bem mais provável, na medida em que a palavra se tornar impossível.
De sorte que fica logo bem claro que a questão da violência na escola não deve ser enunciada somente em relação aos alunos: o que está em jogo é também a capacidade de a escola e seus agentes suportarem e gerarem situações conflituosas, sem esmagar os alunos sob o peso da violência institucional e simbólica.4 Os pesquisadores franceses desenvolveram muito, nestes últimos anos, uma distinção particularmente útil do ponto de vista teórico e prático: eles distinguem a violência, a transgressão e a incivilidade.
O termo violência, pensam eles, deve ser reservado ao que ataca a lei com uso da força ou ameaça usá-la: lesões, extorsão,tráfico de droga na escola, insultos graves. A transgressão é o comportamento contrário ao regulamento interno do estabelecimento (mas não ilegal do ponto de vista da lei): absenteísmo, não-realização de trabalhos escolares, falta de respeito, etc.
Enfim, a incivilidade não contradiz, nem a lei, nem o regimento interno do estabelecimento, mas as regras da boa convivência: desordens, empurrões, grosserias, palavras ofensivas, geralmente ataque quotidiano – e com freqüência repetido – ao direito de cada um (professor, funcionários, aluno) ver respeitada sua pessoa.
Tal distinção é particularmente útil, não só porque permite não misturar tudo em uma única categoria, mas também porque designa diferentemente lugares e formas de tratamento dos fenômenos. Assim, um tráfico de drogas não depende do conselho de disciplina do estabelecimento, mas da polícia e da Justiça; inversamente, um insulto ao ensino deve ser tratado pelas instâncias do estabelecimento e não justifica que se chame a polícia.
Quanto à incivilidade, ela depende fundamentalmente de um tratamento educativo. Todavia, resta que essa distinção é frágil e está, talvez, ultrapassada em parte para descrever o que se passa hoje em alguns estabelecimentos escolares: de um lado, violências, transgressões e incivilidades estão, por vezes, intimamente misturadas nos comportamentos quotidianos; de outro, o acúmulo de incivilidades (pequenas grosserias, piadas de mau gosto, recusa ao trabalho, indiferença ostensiva para com o ensino.) cria às vezes um clima em que professores e alunos sentem-se profundamente atingidos em sua identidade pessoal e profissional – ataque à dignidade que merece o nome de violência.
Alguns pesquisadores, considerando que não têm enquanto tais, nenhuma legitimidade para estabelecer a norma (que apresenta sempre um caráter ético) e, portanto, para dizer o que é violência e o que não o é, procederam a enquetes de vitimação: pergunta-se aos alunos se já foram vítimas de alguma violência na escola, e de que tipo de violência.
- É o próprio aluno, e não o pesquisador, que diz o que deve ser considerado como violência.
- Essas enquetes dão resultados particularmente interessantes. Assim, C.
- Carra e F.
- Sicot realizaram, em 1994-95, uma enquete de vitimação junto a 2855 colegiais de uma região que não é especialmente atingida pelo fenômeno da violência escolar: 70% dos alunos se declararam vítimas de pelo menos um ato de violência 2 2 Cf.
Cécile CARRA e François Sicot. Une autre perspective sur les violences scolaires: l’expérience de victimation. I n Bernard CHARLOT et Jean-Claude ÉMIN (Dir.), Violences à l’école: état des savoir. Paris:Armand Colin, 1997. De que se tratava? – 47,8% dos alunos se declaram vítimas de falta de respeito (da parte de outros alunos ou de professores); – 27,7%, vítimas de casos de pertences pessoais danificados; – 23,7%, de furtos; – 15,8%, de chantagem; – 15,65 %, de golpes; – 9,7%, de racismo; – 4,35 %, de extorsão; – 2,85 %, de agressão ou de assédio sexuais.
Não são os golpes, ou a extorsão, nem mesmo os furtos, isto é, os fenômenos mais midiatizados, que mais freqüentemente são invocados, mas os ataques à pessoa ou a seus bens na vida quotidiana (inclusive o racismo, que as instituições escolares e seus agentes seguidamente deixam passar em silêncio quando se fala de violência na escola.).
Estes resultados de pesquisa convidam a classificar a “violência na escola” além do que é tratado na mídia e a interessar-se também pelas múltiplas fontes de tensão, sociais, institucionais, relacionais, pedagógicas que hoje agitam a escola, e sobre cuja base, produzem-se às vezes incidentes “violentos” em um sentido mais estrito do termo.
É o que vou fazer agora, mas queria antes destacar uma dificuldade com a qual se debate a pesquisa quando ela opera a partir de tais enquetes de vitimação. Essas enquetes põem em evidência um continuum da violência: em um pólo, a palavra ofensiva, o empurrão ou a canetafurtada; no outro pólo, os golpes, até mesmo o homicídio ou o estupro.
Com toda a neutralidade científica, o pesquisador pode apenas constatar esse continuum e recusar-se a definir limiares ou fronteiras. Mas isso traz dificuldades. De uma parte, induz um efeito ideológico: a idéia de que se passaria insensivelmente da pequena incivilidade (o empurrão) ao crime mais grave (o homicídio ou o roubo); a neutralidade científica tende, assim, para deduções ideológicas.
De outra parte, o sociólogo se acha confrontado a atores da vida social (juízes, médicos ou, muito simplesmente, dirigentes de estabelecimento escolar) que têm necessidade de normas e não podem aceitar a idéia de um continuum da violência. É difícil falar da violência, sem fixar normas. Masparece impossível falar dela rigorosamente, fixando normas.3 Sob a violência: a tensão quotidiana Quando se analisam os estabelecimentos onde a violência escolar é grande, encontra-se uma situação de forte tensão; inversamente, quando se analisam aqueles em que a violência diminuiu, encontra-se uma equipe de direção e professores que souberam reduzir o nível de tensão.
A questão fundamental é esta: os incidentes violentos se produzem sobre um fundo de tensão social e escolar forte; em tal situação, uma simples faísca que sobrevenha (um conflito, às vezes menor), provoca a explosão (o ato violento). É preciso, portanto, dedicar-se às fontes dessa tensão.
- Algumas dessas fontes estão diretamente ligadas ao estado da sociedade e do bairro.
- Quando o próprio bairro é presa da violência, é maior a probabilidade de que a escola seja atingida por essa violência.
- Todavia é apenas uma probabilidade, e é necessário desconfiar dos raciocínios demasiado automáticos: assim, encontram-se escolas onde há pouca violência, nos bairros que são violentos.
Do mesmo modo, é preciso desconfiar de um raciocínio automático sobre a questão do desemprego. Certamente este é uma fonte importante de tensão social e, por conseguinte, de violência. Mas os dados empíricos mostram que o desemprego produz efeitos complexos e, às vezes, contraditórios: ele é fonte de desmobilização escolar (os alunos dizem que não vale a pena aprender, pois que, de qualquer maneira, com seu diploma, eles não encontrarão trabalho), mas também, e freqüentemente, para alguns alunos, é fonte de mobilização escolar (os jovens dizem que, por conseguinte, é preciso mais e melhores diplomas) 3 3 Cf.
- Bernard CHARLOT.
- Le Rapport au savoir en milieu populaire.
- Paris:Anthropos, 1999.
- De fato, a questão-chave parece ser a do novo modo de articulação entre a escola e a sociedade e do sentido da escola induzido por esse modo.
- Pouco a pouco, a partir dos anos 60, a escola tornou-se o meio mais seguro de ter, mais tarde, “uma boa profissão”, ou mesmo, muito simplesmente, um trabalho.
Hoje a possibilidade de encontrar trabalho e, ainda mais, a de encontrar um “bom trabalho” (interessante, bem pago, bem situado na hierarquia social) depende do nível de êxito na escola. Por conseqüência, esse êxito é um ponto de passagem obrigatório para ter uma vida “normal” e, ainda mais, para beneficiar-se de uma ascensão social.
Em outros termos, é sua vida futura que os jovens jogam na escola. Há aí uma fonte de forte tensão no universo escolar. Essa tensão é ainda mais forte porque a representação da escola como via de inserção profissional e social apagou a idéia da escola como lugar de sentido e de prazer. De sorte que o distanciamento é cada vez maior entre a importância da escola (que permite aceder a uma vida desejável, ou ao menos, “normal”) e o vazio da escola no dia-a-dia (onde o jovem, sobretudo nos meios populares, aprende coisas que não têm sentido para ele).
Essa distância aparece claramente nas entrevistas empíricas sob a forma de desnível entre a lógica escolar dos professores e, mais geralmente, das classes médias, e a lógica dos alunos de meio popular. Já não é evidente para estes alunos que se vá à escola para aprender: o essencial é, para eles, “passar” de ano e ter um diploma, e aprender não é mais que uma obrigação (lamentável.) de conseguir isso.
Também já não é evidente que o aluno tenha a obrigação de ir à escola todos os dias (afinal de contas, quando ele não está lá, não incomoda ninguém.) e de participar das atividades (se ele não perturba o professor, não há nada a reprovar-lhe, mesmo que ele não trabalhe.). Já não é evidente que a orientação decidida pelos professores tenha uma legitimidade (mesmo que o aluno seja muito mau em matemática e que tenha escolhido uma orientação que exige competências em matemática: pensando bem, ele tem, sim, o direito de “tentar sua sorte”, e não cabe aos professores decidir que profissão ele terá mais tarde.).
Da mesma forma, o aluno que fez um esforço e recebe uma nota má (porque seu trabalho não é bom apesar desse esforço), julga-se vítima de uma “injustiça”. Poder-se-ia, assim, multiplicar os exemplos que revelam que muitos alunos de meio popular não entram na lógica da instituição escolar – o que é fonte de revolta face aos comportamentos da instituição e, mais geralmente, de uma tensão que leva a incidentes violentos.
Não é só a lógica da instituição que resta obscura aos olhos dos alunos, é seguidamente a do próprio saber e, por conseguinte, do ato ensino/aprendizagem. Assim, as enquetes empíricas mostram que, para muitos alunos, é o professor que é ativo nesse ato e não o aluno. Este deve, pensa ele, ir à escola, não fazer muitas besteiras e “escutar” o professor.
Se ele faz isso, está em ordem, e o que segue não depende dele, mas do professor, que explica mais ou menos bem (bem explicar e reexplicar sem irritar-se, sendo aos olhos dos alunos, a primeira qualidade do bom professor): se o professor explica bem, o aluno saberá, se não, ele não saberá; como diz um aluno, indo até o fundo desta lógica: a nota, na verdade, dá nota ao professor.
- Dito de outro modo, se o aluno não sabe (o que não é muito grave), se ele não “passa” para a série seguinte e não obtém seu diploma (o que é muito grave), o erro é do professor e da escola.
- Há aí, na própria relação com a escola e com o saber, uma fonte muito importante da tensão social no quotidiano.
Deve-se, portanto, conceder uma grande atenção à questão da relação com o saber quando se trabalha (como pesquisador ou como professor) sobre a questão da violência na escola. Certamente esta é uma questão que está vinculada ao estado da sociedade, às formas de dominação, à desigualdade, uma questão que está vinculada também às práticas da instituição (organização do estabelecimento, regras de vida coletiva, relações interpessoais, etc.).
Mas é também uma questão que está ligada às práticas de ensino quotidianas que, em último caso, constituem o coração do reator escolar: é bem raro encontrar alunos violentos entre os que acham sentido e prazer na escola. Tal conclusão evidentemente faz recair uma pesada responsabilidade sobre os professores, mas esta lhes atribui também uma dignidade profissional que os trabalhos sociológicos, estabelecendo uma relação direta entre o social e o escolar, tendem a retirar deles.
1 Cf. Jacques PAIN, Écoles, violence ou pédagogie? Vigneux: Matrice, 1992. 2 Cf. Cécile CARRA e François Sicot. Une autre perspective sur les violences scolaires: l’expérience de victimation. I n Bernard CHARLOT et Jean-Claude ÉMIN (Dir.), Violences à l’école: état des savoir,
- Paris:Armand Colin, 1997. 3 Cf.
- Bernard CHARLOT.
- Le Rapport au savoir en milieu populaire.
- Paris:Anthropos, 1999. 1 Cf.
- Jacques PAIN, Écoles, violence ou pédagogie? Vigneux: Matrice, 1992.2 Cf.
- Cécile CARRA e François Sicot.
- Une autre perspective sur les violences scolaires: l’expérience de victimation.
- I n Bernard CHARLOT et Jean-Claude ÉMIN (Dir.), Violences à l’école: état des savoir.
Paris:Armand Colin, 1997.3 Cf. Bernard CHARLOT. Le Rapport au savoir en milieu populaire. Paris:Anthropos, 1999.
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Como se manifesta a violência no contexto escolar?
Assim, a violência faz parte do contexto escolar e, mais especificamente, da relação professor-aluno, podendo se manifestar de forma mais explícita, por meio de agressão entre indivíduos, ou de modo simbólico, por meio das regras, normas e hábitos culturais de uma sociedade desigual (Stelko-Pereira & Williams, 2010).
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Quais foram as primeiras pesquisas em violência escolar?
A violência na escola: abordagens teóricas e propostas de prevenção – School violence: theoretical approaches and proposals of prevention Joyce Mary Adam de Paula e Silva I ; Leila Maria Ferreira Salles II I Professora livre docente do Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (UNESP), São Paulo, Brasil. Coordenadora do programa de Pós-graduação em Educação. Tem pesquisado a problemática das organizações educacionais e da violência escolar II Professora Doutora, chefe do departamento de Educação do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (UNESP), São Paulo, Brasil. Tem pesquisado a questão da violência de jovens e violência escolar, com foco na análise das relações familiares RESUMO O objetivo deste texto é proceder a uma reflexão, por meio de uma revisão de estudos na área, sobre as tendências teóricas que têm permeado a discussão sobre violência escolar. Busca-se caracterizar propostas de intervenção na escola, implementadas por iniciativa governamental, para prevenir violência e que têm como proposta central o incentivo às relações democráticas na escola. Aponta-se neste estudo que o incentivo às relações democráticas, embora importante, é insuficiente para trabalhar a violência no âmbito escolar. Os determinantes da violência extrapolam as características individuais e grupais dos indivíduos envolvidos e não se restringem às vivências do contexto escolar. Assim, é importante que os programas de prevenção à violência ampliem a reflexão sobre os diferentes aspectos presentes na violência escolar. Palavras-chave: escola; violência; propostas de intervenção. ABSTRACT The objective of this text is maturing a reflection, by means of a revision of studies in the area, on the theoretical trends involved on current discussions on school violence. We try to characterize proposals of intervention in the school environment implemented for governmental initiative to prevent violence. These proposals have, as a core objective, the incentive of democratic relations at school. It is pointed in this study that this important incentive to install democratic relations is insufficient to prevent violence pertaining the school scope. The violence determinants go beyond the individual and group characteristics of the people involved, and they are not restricted to the school context. Thus, it is important that the violence prevention programs extend the reflection on the different aspects concerned to school violence. Keywords: school; violence; proposals of intervention. Algumas considerações sobre escola e violência O objetivo deste texto é proceder a uma reflexão, por meio de uma revisão de alguns estudos na área, sobre as tendências teóricas que têm permeado a discussão sobre violência escolar e discutir projetos de intervenção na escola para prevenir violência que têm como proposta central o incentivo às relações democráticas na escola e que foram implementadas por iniciativa governamental. A problemática da violência, seja aquela em que o jovem é vitima seja aquela que é protagonizada por ele, vem provocando crescente perplexidade e sendo objeto de grande preocupação no meio escolar. Em geral, violência é conceituada como um ato de brutalidade, física e/ou psíquica contra alguém e caracteriza relações interpessoais descritas como de opressão, intimidação, medo e terror. A violência não pode ser reduzida ao plano físico, podendo se manifestar também por signos, preconceitos, metáforas, desenhos, isto é, por qualquer coisa que possa ser interpretada como aviso de ameaça, o que ficou conhecido como violência simbólica. Segundo Gilberto Velho (2000), a violência não se limita ao uso da força física, mas à possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão fundamental de sua natureza, associando-a a uma ideia de poder, quando se enfatiza a possibilidade de imposição de vontade, desejo ou projeto de um ator sobre o outro. O que especifica a violência é o desrespeito, a negação do outro, a violação dos direitos humanos que se soma à miséria, à exclusão, à corrupção, ao desemprego, à concentração de renda, ao autoritarismo e às desigualdades presentes na sociedade brasileira. Nas escolas, segundo os professores, a violência está aumentando não somente do ponto de vista quantitativo como também do qualitativo. Os tipos de violência assinalados por eles como estando mais presentes no dia a dia escolar são as ameaças e agressões verbais entre alunos e entre estes e os adultos. Os professores em seus relatos têm destacado que a violência, principalmente o desrespeito, é uma constante no meio escolar. Eles indicam que a violência na escola pública está banalizada, provocando inclusive que vários atos deixam até de serem percebidos como violentos. Embora menos frequentes, as agressões físicas também estão presentes. Charlot (2002) caracteriza a violência escolar como: violência na escola, violência à escola e violência da escola. O autor argumenta que esta distinção é importante no sentido de que se a escola é, em grande medida, impotente com respeito à violência na escola, isto é, a violência que é reflexo do mundo externo, ela não o é com respeito a sua ação face à violência da escola e à escola. Sposito (2001), em artigo em que faz um balanço sobre as pesquisas sobre violência escolar no Brasil, destaca que a relação conflituosa entre alunos e professores tem gerado um medo constante entre professores, que apelam para a segurança policial, o que afeta a qualidade da interação educativa e o clima escolar. O autor considera que os anos 1990 sejam um momento de mudanças no padrão da violência nas escolas públicas englobando agora não só atos de vandalismo, mas também práticas de agressões interpessoais. As agressões entre professores e alunos tornam-se cada vez mais presentes nas escolas públicas brasileiras a ponto de haver um grande número de afastamentos de docentes por problemas de saúde. Os estudos, ao indicarem a presença de manifestações de violência em outros grupos sociais, apontam também para uma crise da função socializadora da escola. Ou seja, esses atos violentos sinalizam as dificuldades da unidade escolar em criar possibilidades para que tais condutas assumam a forma de um conflito capaz de ser acertado no âmbito da convivência democrática (SPOSITO, 2001, p.100). O propósito deste texto é, então, fazer uma revisão sobre algumas tendências teóricas que têm permeado a discussão da violência escolar e sobre os programas de prevenção à violência. As perspectivas teóricas de análise da violência no âmbito escolar: uma revisão A revisão da literatura sobre o assunto evidencia algumas perspectivas teóricas, que embora não sejam únicas, têm se destacado e fundamentado as análises e as investigações empíricas sobre a violência escolar. A revisão sobre violência escolar aponta que o significado de violência e de comportamentos violentos é distinto nos diferentes estudos. Em alguns trabalhos apenas os atos de violência física são estudados. Outros, no entanto, enfocam a violência verbal, as agressões e, inclusive, as autoagressões (suicídios), enquanto que outros ainda atentam para o comportamento de oposição às atividades escolares, a depredação da escola, os furtos e os comportamentos delinquentes. Um conjunto de estudos sobre violência escolar tem procurado quantificar a incidência da violência nas unidades escolares. No levantamento que fez sobre as pesquisas em violência escolar Sposito (2001) assinala que os primeiros trabalhos realizados no Brasil, datados da década de 1980, procuram realizar um mapeamento de episódios de violência ocorridos no âmbito escolar, dando uma ênfase na questão da segurança e na questão da democracia na escola. Mais recentemente, é realizado sob a coordenação de Codo ( apud SPOSITO, 2001, um levantamento sobre a violência escolar com 52 mil professores dos sistemas públicos de ensino de todo o país. Este mapeamento revela que as agressões a alunos dentro das escolas variam de intensidade em cada estado, sendo que os maiores índices foram registrados no Distrito Federal, enquanto que o Estado do Rio de Janeiro apresentou o menor número de agressões físicas dirigidas a professores. Segundo o autor, os registros de violência que atingem alunos, professores e funcionários, é maior nas escolas públicas, em comparação com a rede privada, e nas oitavas séries do ensino fundamental e no ensino médio. Os trabalhos que analisam as relações estabelecidas entre os próprios alunos e os estudos a respeito dos maus tratos entre os escolares, conhecidos por bullying, têm, principalmente a partir dos anos 1990, se destacado. Segundo Revilla Castro (2002), nos países escandinavos há um número menor de estudantes implicados nesse tipo de violência escolar (10%). Na Inglaterra, na Espanha, em Portugal, Bélgica, Grécia, Canadá, Japão, China e Austrália o nível é superior (acima de 20%) e na Alemanha e na Itália o mau trato entre os escolares é superior a 30%. O mau trato é definido pela presença de relações assimétricas entre agressores e vítimas e por ser uma relação que implica em continuidade de tempo. Para que um comportamento seja definido como mau trato é necessário que exista uma diferença de poder entre agressores e vítimas. Esta diferença de poder se produz entre pessoas em princípio consideradas iguais (REVILLA CASTRO, 2002). Segundo Revilla Castro (2002), essas agressões que ocorrem entre iguais são menos custosas e têm maiores possibilidades de passarem despercebidas e não serem castigadas. Os estudos sobre bullying procuram examinar o sofrimento vivido por uma porcentagem de alunos causada pela conduta violenta de seus colegas em relação a ele. Estudam-se as consequências dos maus tratos tanto para os agressores quanto para as vítimas. As investigações realizadas estão dirigidas para a redução das incidências desse tipo de violência buscando melhorar a vivência escolar dos alunos submetidos aos maus tratos. Para Olweus (1998), um aluno é agredido e se converte em vítima quando está exposto, de forma repetida e durante certo tempo, às ações negativas exercidas por outro aluno. Estas ações negativas incluem condutas como: agressões verbais (insultos e ameaças), agressões físicas (golpes, socos, empurrões), danos materiais, exclusão da vítima do grupo de pares, ignorar a vítima, contar mentiras e levantar falsos rumores sobre ela. O autor constatou, ao analisar os processos grupais, que os grupos facilitam as condutas violentas por promover uma diminuição da responsabilidade individual e uma desinibição maior dos seus membros para assumir condutas violentas. Salmivalli ( apud REVILLA CASTRO, 2002), ao estudar as relações entre pares que se formam nas salas de aula, observa que os estudantes que se comportam de forma semelhante, sejam como agressores, ajudantes dos agressores, defensores das vítimas ou observadores, na dinâmica da violência escolar, tendem a se unir entre si e formar redes de ligação. Os alunos que permanecem fora destas redes tendem a serem vítimas com maior frequência. Mynard e Joseph ( apud REVILLA CASTRO, 2002) categorizaram quatro tipos principais de mau trato, que denominaram como: vitimização física, vitimização verbal, manipulação social e ataques à propriedade. As formas mais frequentes de mau trato são as agressões verbais, como insultos, ameaças e disseminação de boatos negativos sobre uma pessoa. Os insultos constituem-se na forma mais comum de agressão entre os escolares e a violência física é classificada por eles como a de menor incidência. Em geral, há uma diminuição do fenômeno, que é predominantemente masculino, em função da idade. Os estudos evidenciam que os agressores são fisicamente mais fortes, reagem com maior agressividade, são provocadores, apresentam tendência à hiperatividade, manifestam pouca empatia com os demais e inclusive se mostram satisfeitos com o sofrimento que provocam. São egocêntricos, hedonistas e têm uma autoestima defensiva alta. Mantêm uma relação insatisfatória e hostil com a escola, pois não gostam dela e nem dos professores. No entanto, são populares especialmente dentro de seu grupo. Isto indica, segundo Revilla Castro (2002) uma possível congruência entre estas características e o descompromisso com a escola. As vítimas em geral são mais frágeis fisicamente e às vezes têm uma aparência física desvalorizada socialmente. As vitimas são, por exemplo, os gordos, as pessoas pertencentes às minorias étnicas ou as que possuem alguma deficiência física ou mental. Em geral, aparentam insegurança e apresentam uma atitude submissa. Suas reações são pouco assertivas com tendência a reagir chorando e com o abandono da situação. Também, em geral, apresentam uma baixa autoestima, baixa autoconfiança e uma autoimagem negativa. Têm poucas relações com seus companheiros, são isoladas, pouco respeitadas e impopulares (REVILLA CASTRO, 2002). Olweus (1998), no entanto, distingue um tipo de vítima que denominou como provocativa, que se caracteriza por apresentar uma combinação de ansiedade, hiperatividade e agressividade em suas reações. Camacho (2001), em estudo no qual procurou investigar a relação entre os alunos, constata que as agressões entre pares são cometidas principalmente nos intervalos entre as aulas, nos pátios, no recreio e nos corredores. Na sala de aula sua incidência é menor embora esteja presente de uma forma mascarada, isto é, disfarçada como uma brincadeira. Isto sugere uma relação entre o aumento de maus tratos e agressões a uma maior possibilidade de impunidade, pela não presença de professores. Camacho (2001), concordando com os demais autores, afirma que as incivilidades que ocorrem sem parar surgem pela intolerância ao diferente, como os negros, os homossexuais, os bons alunos, os maus alunos e os feios. A relação estabelecida entre alunos e professores é também foco de atenção dos estudos sobre a violência escolar. Dubet (2003) aponta para a tensão que se cria na sala de aula pela necessidade que os alunos têm de mostrar para os seus colegas um descompromisso com a instituição escolar e pela necessidade de serem reconhecidos por seus pares por desafiarem a autoridade. Molpeceres, Lucas e Pons (2000) e Revilla Castro (2002) corroboram essas afirmações ao assinalarem que entre os jovens da Espanha está muito presente uma atitude negativa para o trabalho educativo. Os jovens parecem fazer ostentação do seu descompromisso com a escola, pois qualquer rendimento escolar elevado é visto pelos iguais como uma conformidade com as exigências do mundo adulto. Assim, para Revilla Castro (2002) a deslegitimação da escola e dos diplomas soma-se à subcultura juvenil que privilegia o ócio frente ao trabalho formativo e desconsidera tudo que é percebido como pertencente ao mundo adulto. Todas essas constatações têm então apontado que o cotidiano escolar é marcado pela presença de um constante desrespeito ao outro. A falta de polidez, a transgressão aos códigos de boas maneiras, se repetem sem parar, o que difere da violência das condutas criminosas ou delinquentes. Esses atos podem, parece-nos, serem enquadrados naquilo que se chama de incivilidade. Segundo Debarbieux (2001), o desrespeito na relação com o outro, provocado pelas incivilidades, é constituído de pequenas agressões cotidianas que ocorrem principalmente na escola. O desrespeito, segundo Martuccelli (2001), está associado ao fato de que os alunos na escola reivindicam um tratamento de igualdade entre professores e alunos, isto é um relacionamento não hierárquico, como se a relação com o adulto devesse seguir os mesmos moldes das relações entre pares. Os trabalhos sobre o contexto escolar têm evidenciado a influência do clima escolar na incidência da violência na escola. Blaya (2002), em pesquisa comparativa entre França e Inglaterra, destaca a importância dos estudos sobre “clima social” na investigação da violência escolar, além dos fatores psicológicos predominantes nos estudos sobre a temática. Alexandre e Curtis ( apud REVILLA CASTRO, 2002) têm assinalado a influência do tamanho dos centros escolares e das salas de aula na produção da violência nas unidades escolares. Estes autores mostram que nas grandes escolas a impessoalidade do ambiente aumenta e com isso os adultos dão menor atenção aos jovens com problemas. Simultaneamente nessas grandes escolas há uma menor capacidade por parte dos adultos de controle dos comportamentos juvenis. Além disso, o tamanho das salas de aula tem como consequência a possibilidade da convivência de um maior número de alunos com problemas de comportamento, o que contribui para que o problema se agrave. Estes estudos indicam também que a exacerbação da disciplina contribui para piorar a incidência da violência escolar. Os estudos sobre clima escolar têm também destacado que a diminuição da violência passa por uma postura firme e pelo empenho nas atividades didáticas do corpo docente, pelo compromisso dos professores com o seu trabalho e pelo tratamento não diferenciado entre os alunos de melhores e piores rendimentos escolares. Passa também pelo interesse dos alunos pela escola e pelas tarefas escolares. Quanto maior a perspectiva que o estudante vê para desenvolver-se na escola menos atos violentos ele comete. Buratto (1998), Salles (1998, 2000) e Fernandes (200) afirmam que o nível de comprometimento dos alunos com as tarefas escolares varia de acordo com o professor. Segundo eles os alunos valorizam a disponibilidade que o professor tem para se comunicar com os estudantes, o quanto respeita suas ideias e o quanto permite que interfiram no processo de tomada de decisões em sala de aula. Os estudantes participam mais e melhor quando percebem que os docentes se preocupam com eles, se interessam por sua vida pessoal e pelo seu bem estar, o que é justo, mostram interesse pelos alunos e não os castigam de forma humilhante. Segundo Revilla Castro (2002), a maioria dos estudos que coletaram depoimentos de alunos a esse respeito evidencia que as agressões dirigidas aos professores estariam relacionadas ao caráter débil do professor e à sua incapacidade para manter a ordem. Sposito (2001) aponta que as incivilidades sinalizariam um conjunto de insatisfações manifestadas pelos alunos diante de sua experiência escolar e, ao mesmo tempo, as dificuldades da unidade escolar em criar possibilidades para que tais condutas assumam a forma de um conflito capaz de ser gerido no âmbito da convivência democrática. Aponta também que essa relação entre adultos e adolescentes mediada pela escola é um reflexo maior das relações que se estabelecem entre esses jovens e a sociedade em geral. A perda da crença na legitimidade da escola tem se constituído em outro fator desencadeador de violência no âmbito escolar. Os estudos que tratam da resistência dos alunos à escola têm apontado para a deslegitimação dos conhecimentos (CHARLOT, 2002) e diplomas que são oferecidos pela escola como desencadeadores de violência. Para Willis (1988) certas formas de violência dos alunos adolescentes, filhos de trabalhadores, contra a instituição escolar indicam uma resistência à escola derivada de um sentimento de que os conhecimentos escolares e o próprio diploma são insuficientes para possibilitar uma ascensão social que os coloque acima da classe operária. Também Molpeceres, Lucas e Pons (2000) têm destacado que a perda da crença na escola como fonte de conhecimentos relevantes e como instrumento de mobilidade social ascendente faz com que as autoridades escolares percam a sua legitimidade produzindo uma sensação de ausência de sentidos e de imposição arbitrária das normas e atividades escolares. No mesmo sentido, Dubet (2003) afirma que as condutas violentas dos jovens são respostas à percepção de que é difícil atingir os objetivos preconizados pela escola como status e ascensão social. Bourdieu (1999) também aponta para a crise do sistema escolar que contraditoriamente, ao mesmo tempo em que possibilita a novas camadas da população o acesso à escola, conserva os mecanismos de exclusão social. Para Bourdieu (1999) o acesso maciço ao ensino modifica o valor simbólico e material dos diplomas desvalorizando-os. Os próprios alunos começam a perceber que o benefício é ilusório, à medida que no mercado de trabalho, o diploma não tem o valor esperado e prometido. Peralva (1997) também assinala que a massificação da escolarização faz com que a escola passe a ser destituída de sentido à medida que os diplomas por ela concedidos não garantem uma colocação no mercado de trabalho. Também para Candau (1999) a violência escolar está associada à deslegitimação da escola. Em uma outra direção, outros estudos têm apontado para a importância do contexto familiar na produção da violência no âmbito escolar. Ao enfocarem o contexto familiar os estudos destacam uma relação entre violência infantil e/ou juvenil e problemas nas relações familiares sejam estas entre o próprio casal ou entre os pais e seus filhos. As investigações evidenciam uma relação entre conduta violenta e ruptura da estrutura familiar (como a separação dos pais), existência de relacionamentos familiares conflitivos, pouca habilidade dos pais em lidar com as crianças e a permissividade deles. Segundo Patterson (1982, 1992), os estilos parentais de imposição de disciplina marcados por práticas disciplinares autoritárias, inconsistentes e punitivas e permissivas contribuem para que as crianças sejam excluídas por seus iguais e para a ocorrência de comportamentos violentos. O comportamento agressivo que se manifesta no interior das famílias pautadas por este tipo de comportamento se generaliza. Os comportamentos violentos que até então apareciam apenas no contexto privado da família surgem também no meio escolar, tanto na sala de aula quanto na relação com os amigos, e depois nas rua. Postula-se com isso um modelo de transferência da violência: família, escola, rua. Os estudos que analisam as características dos familiares dos agressores têm apontado para três fatores relacionados com as normas de socialização paterna. Em primeiro lugar, uma atitude básica do principal responsável, em geral a mãe, negativa em relação ao filho, com pouca demonstração de afeto. Soma-se a isso uma permissividade para comportamentos agressivos em casa e, mesmo em alguns casos, o incentivo dos pais para que os filhos exerçam violência. E, por fim, predomina o uso de métodos disciplinares agressivos com castigos físicos e emocionais muito violentos (MELO, 1998; REVILLA CASTRO, 2002). A localização geográfica da escola e a presença do crime organizado, isto é, o entorno escolar, e a sua possível influência na violência escolar tem também se constituído em objeto de estudo. Entretanto, esses estudos têm apontado que não há uma relação linear entre esses determinantes. Há escolas localizadas em bairros violentos que não apresentam violência e outras violentas em bairros considerados não violentos (CHARLOT, 2002; CODO, 1999, apud SPOSITO, 2001). No mesmo sentido, Sposito (2001) afirma que nem sempre os índices de violência em meio escolar coincidem com os índices mais gerais da violência que atingem os jovens de forma que a violência em meio escolar não está diretamente associada à criminalidade que atinge os jovens em algumas áreas urbanas. A autora aponta, então, para a importância de que os estudos sobre violência escolar estejam articulados com o tema da violência social, buscando compreender as conexões entre os diferentes fenômenos presentes nessa situação. A influência da própria sociedade enquanto determinante dos comportamentos violentos na escola é problematizada, entre outros, por La Taille (1998, 2000). Para o autor os valores da sociedade penetram as relações que se estabelecem na escola. Hoje, em uma sociedade caracterizada pelo individualismo, qualquer limite, parâmetro e diretriz são vistos como práticas autoritárias que cerceiam a espontaneidade dos alunos. Para La Taille a sociedade atual favorece uma forma de socialização individualista que pode até mesmo chegar a valorizar a violência para se atingir metas pessoais e uma representação de si mesmo como violenta é passível de valorização por elas próprias. Em geral, são essas análises que têm, direta ou indiretamente, norteado as propostas de intervenção para a prevenção da violência nas unidades escolares. Algumas propostas e programas de prevenção à violência As propostas para prevenção da violência nas escolas têm privilegiado diferentes aspectos. Ora essas propostas são norteadas por políticas públicas que apoiam a abertura das escolas aos finais de semana, ora são fundamentadas na prática das rondas escolares, ora se privilegiam ações e intervenções centradas no protagonismo juvenil, como no projeto Escola da Família. E, ora na proposição de estratégias que contribuam para a resolução de conflitos e para o incentivo ao estabelecimento de relações democráticas na escola. Deter-nos-emos neste texto, como dito anteriormente, a refletir sobre as propostas que foram implementadas por iniciativa governamental e focalizam as relações interpessoais que permeiam o contexto escolar. Isto é, as propostas que têm como objetivo principal incentivar as relações democráticas na escola propondo estratégias para se intervir nesse sentido. Com isso, iniciativas isoladas implantadas por unidades escolares não serão objeto de análise. No Brasil, como iniciativa governamental, parece-nos que somente no Programa Ética e Cidadania 1 1 http://mecsrv04.mec.gov.br/seif/eticaecidadania/index.html >, que incentiva as escolas a elaborar um projeto com essa temática, a questão da violência está inserida como um dos módulos a ser contemplado. O intuito do modulo não é o de criar uma escola onde os conflitos sejam eliminados mas sim o de promover ações e estratégias que mantenham os comportamentos em níveis democraticamente aceitáveis. O pré-suposto é que se não é possível postular uma ausência de conflitos em instituições que são compartilhadas por seres humanos é, no entanto, possível lidar com os conflitos de forma democrática. O módulo que trata da violência no âmbito escolar enfatiza, nesse sentido, que as relações entre as pessoas sejam pautadas pelo diálogo e pela resolução pacífica de conflitos. Este módulo do Programa Ética e Cidadania tem como proposta promover reflexões, discussões e apontar caminhos pedagógicos para a construção de relações interpessoais democráticas no convívio escolar. Para tanto propõe a introdução das assembleias escolares, o fortalecimento dos grêmios estudantis, a implantação de estratégias de resolução e de mediação de conflitos e de estratégias de aproximação entre escola, família e comunidade. A finalidade última deste módulo e de todo o programa é criar condições para a construção de valores democráticos que auxiliem na transformação das relações sociais, de forma a se atingir a justiça social e o aprendizado da participação cidadã nos destinos da sociedade. Uma outra proposta fundamentada no mesmo modelo é o programa de Educación para la Tolerancia y Prevención de la Violencia en los Jóvenes, implantado na Espanha, denominado Convivir es Vivir. Este programa foi desenvolvido pelo Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales – Instituto de la Juventud, juntamente com os Ministerios de Educación y Cultura y Asuntos Sociales e a Universidad Complutense de Madrid e foi implantado nos Institutos de Educación Secundaria, Foi iniciado em 1997 e implantado em 26 centros educativos da Comunidad de Madrid (CAM). O programa Convivir es Vivir, fundamentado no resultado de pesquisas, coordenado por Diaz-Aguado entre os anos de 1994-1997, que tinha por objetivo analisar as causas de intolerância e violência entre os jovens, tem como propósito envolver todos os membros da comunidade escolar num projeto de educação para a não violência e para a tolerância com os diferentes (DIAZ-AGUADO, 1996, 2002, 2003). O pressuposto da proposta é que a escola é tanto o espaço privilegiado para desenvolver a prevenção quanto o local onde as dinâmicas de intolerância e violência ocorrem com mais frequência. O professor é concebido como um agente facilitador do desenvolvimento de atitudes de tolerância entre os jovens e com isso contribui para a prevenção da violência e para a educação para a paz. Desta forma, o projeto tem por finalidade reduzir as variáveis de risco e potencializar as variáveis protetoras como a participação dos jovens em grupo de apoio, o aumento da autoestima e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento de conflitos. Diaz-Aguado assinala que os meninos agressivos têm poucas habilidades negociadoras apresentando uma maior tendência a responderem com agressividade a uma provocação. O modelo de intervenção adotado está organizado em 7 unidades temáticas que são propostas para discussão e reflexão entre grupos de jovens nas escolas: racismo e intolerância, violência, jovens, povo cigano, imigrantes e refugiados, direitos humanos e democracia. Este material é complementado por um material de apoio para trabalhar em aula que consiste em um guia informativo para cada uma das temáticas propostas para reflexão e material complementar constituído por exercícios escritos e audiovisuais. A proposta de intervenção para a prevenção da violência de jovens está delineada em 6 eixos estruturantes: 1- a adequação do ensino às tarefas evolutivas da adolescência. Para tanto se procura estimular o pensamento abstrato e a autonomia do adolescente. Busca-se incentivar no adolescente a noção de direitos e deveres e a importância de ser responsável. A ideia é tornar os jovens protagonistas das situações de aprendizagem; 2- a redução das condições de risco psicossocial e o desenvolvimento das competências que protegem os jovens como a adaptação ao sistema escolar, a integração em grupo de pares e o desenvolvimento da competência socioemocional; 3- a estimulação para que ocorram mudanças cognitivas, afetivas e de conduta. Procura-se desenvolver nos jovens atitudes que os levem a incorporar a tolerância e repudiar a violência na sua própria identidade e ensinar a eles a competência de resolver conflitos; 4- a discussão sobre diversas situações de intolerância para que os jovens aprendam a detectar e combater as condições que levam a isso e como superá-las; 5- o desenvolvimento nos jovens da percepção da intolerância e da violência como uma grave ameaça aos direitos humanos; 6- a implantação e o incentivo da democracia escolar. A intervenção na escola se dá por meio de 4 procedimentos gerais de intervenção educativa: 1. Discussão entre pares. É proposto que os jovens participem de discussão e debates em grupos heterogêneos. Essa discussão tem por objetivo trazer para a reflexão conflitos da própria escola, notícias de jornal etc.2. Aprendizagem cooperativa. Procura-se com esta atividade desenvolver nos jovens responsabilidades e atitudes de solidariedade em grupos heterogêneos. Propõe-se para tanto que os jovens investiguem coletivamente sobre um assunto polêmico.3. Resolução de conflitos. Propõem-se situações que permitam aos jovens vivenciar experiências de resolver conflitos por meio de procedimentos de negociação.4. Participação em exercícios de democracia participativa. Procura-se com esta atividade permitir ao jovem adquirir experiência de democracia participativa em grupos heterogêneos. Uma análise avaliativa do programa mostrou que aumentou entre os jovens atitudes de tolerância, diminuição do risco de sofrer ou protagonizar violência, aceitação dos direitos humanos, disponibilidade para reflexão e discussão conjunta, resolução de conflitos por forma negociada e uma relação mais democrática entre professores e alunos e entre alunos. Considerações finais Assim, como vimos, essas duas propostas incorporam as discussões presentes nos estudos sobre os conflitos existentes e procuram trabalhá-los desenvolvendo estratégias que buscam incentivar um convívio escolar mais democrático, de respeito e tolerância ao outro. O eixo norteador das propostas são as técnicas que ensinam a negociação de conflitos e o incentivo a práticas democráticas na escola. As propostas são centradas no cotidiano escolar e com uma proposta de intervenção voltada a educar os agentes escolares, alunos, professores, diretores e funcionários, a lidar com as pequenas agressões cotidianas que aparecem no desrespeito, segregação, exclusão e indiferença ao outro. Ou seja, são propostas que buscam desenvolver estratégias de intervenção para as pequenas violências que ocorrem constantemente no âmbito escolar. E, pelo exposto, parece que essas propostas têm dado resultados positivos. No entanto, essas propostas não destacam o papel da subcultura juvenil e adolescente no descompromisso com a escola, mesmo que tudo pareça indicar que cada vez mais os jovens aderem de forma mais precoce aos significados associados à cultura adolescente tal como são transmitidos pelos meios de comunicação. A deslegitimação da escola como meio de ascensão social e que pode gerar um não comprometimento dos alunos com a escola e com os estudos também não é considerada. Além disso, como apontados nos estudos, não são considerados o clima escolar e o contexto familiar que consistem em outros aspectos que se somam aos demais como desencadeadores de violência. Também a violência na escola está, muitas vezes, associada à violência institucional da própria escola, isto é, ligada à disciplina escolar, à forma como é imposta e em que grau. Assim, falar apenas da importância do estabelecimento de relações democráticas nas relações escolares pode não bastar, caso essa relação permaneça restrita a um local e a um espaço, o do programa de prevenção. E não atinja todo o contexto escolar e não promova o envolvimento da equipe gestora, dos diferentes professores e dos funcionários, ou seja, de todos os profissionais que atuam no espaço escolar. Também é importante que se intervenha na problemática da violência de jovens na escola relacionando-a a outros tipos de violências determinadas pelas condições estruturais da sociedade. Por exemplo, a violência ligada à desigualdade social que é produzida e legitimada pelo sistema educativo. Enfim, a violência dos estudantes não pode ser compreendida plenamente a não ser que a situemos em seu contexto social e cultural. Caso contrário, a violência escolar parece não ser mais que um problema individual, uma carência de habilidades sociais de alguns indivíduos ou quando muito causada pelo fato de o jovem pertencer a uma família desestruturada. É necessário compreender o indivíduo em sua totalidade entendendo que a sua história de vida, embora seja singular, não é um processo interior independente da sociedade. O social constitui o subjetivo definindo a forma pela qual o indivíduo vai se posicionando frente aos diferentes espaços sociais pelos quais transita. Mesmo com toda a dificuldade que possa acarretar o pressuposto que deve fundamentar a elaboração de uma proposta de intervenção com a finalidade de prevenir a violência na escola é que esta é multideterminada. Não cabe, portanto, isolar um ou outro aspecto e se restringir a agir sobre eles. As técnicas de negociação de conflitos e o incentivo às relações democráticas, embora importantes, e possam trazer resultados positivos, são insuficientes para trabalhar a violência no âmbito escolar, pois os determinantes da violência vão além das características individuais e grupais dos indivíduos envolvidos e não se restringem às vivências do contexto escolar. Assim, é importante que os programas de prevenção à violência ampliem a reflexão sobre as variáveis intervenientes na violência escolar, incorporando reflexões como as condições concretas de vida, os valores, preconceitos e a questão política e ideológica. Texto recebido em 18 de março de 2009. Texto aceito em 21 de junho de 2009. 1 < A violência na escola: abordagens teóricas e propostas de prevenção School violence: theoretical approaches and proposals of prevention 1
Ver resposta completaPor que a violência é uma constante no meio escolar?
A violência na escola: abordagens teóricas e propostas de prevenção – School violence: theoretical approaches and proposals of prevention Joyce Mary Adam de Paula e Silva I ; Leila Maria Ferreira Salles II I Professora livre docente do Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (UNESP), São Paulo, Brasil. Coordenadora do programa de Pós-graduação em Educação. Tem pesquisado a problemática das organizações educacionais e da violência escolar II Professora Doutora, chefe do departamento de Educação do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (UNESP), São Paulo, Brasil. Tem pesquisado a questão da violência de jovens e violência escolar, com foco na análise das relações familiares RESUMO O objetivo deste texto é proceder a uma reflexão, por meio de uma revisão de estudos na área, sobre as tendências teóricas que têm permeado a discussão sobre violência escolar. Busca-se caracterizar propostas de intervenção na escola, implementadas por iniciativa governamental, para prevenir violência e que têm como proposta central o incentivo às relações democráticas na escola. Aponta-se neste estudo que o incentivo às relações democráticas, embora importante, é insuficiente para trabalhar a violência no âmbito escolar. Os determinantes da violência extrapolam as características individuais e grupais dos indivíduos envolvidos e não se restringem às vivências do contexto escolar. Assim, é importante que os programas de prevenção à violência ampliem a reflexão sobre os diferentes aspectos presentes na violência escolar. Palavras-chave: escola; violência; propostas de intervenção. ABSTRACT The objective of this text is maturing a reflection, by means of a revision of studies in the area, on the theoretical trends involved on current discussions on school violence. We try to characterize proposals of intervention in the school environment implemented for governmental initiative to prevent violence. These proposals have, as a core objective, the incentive of democratic relations at school. It is pointed in this study that this important incentive to install democratic relations is insufficient to prevent violence pertaining the school scope. The violence determinants go beyond the individual and group characteristics of the people involved, and they are not restricted to the school context. Thus, it is important that the violence prevention programs extend the reflection on the different aspects concerned to school violence. Keywords: school; violence; proposals of intervention. Algumas considerações sobre escola e violência O objetivo deste texto é proceder a uma reflexão, por meio de uma revisão de alguns estudos na área, sobre as tendências teóricas que têm permeado a discussão sobre violência escolar e discutir projetos de intervenção na escola para prevenir violência que têm como proposta central o incentivo às relações democráticas na escola e que foram implementadas por iniciativa governamental. A problemática da violência, seja aquela em que o jovem é vitima seja aquela que é protagonizada por ele, vem provocando crescente perplexidade e sendo objeto de grande preocupação no meio escolar. Em geral, violência é conceituada como um ato de brutalidade, física e/ou psíquica contra alguém e caracteriza relações interpessoais descritas como de opressão, intimidação, medo e terror. A violência não pode ser reduzida ao plano físico, podendo se manifestar também por signos, preconceitos, metáforas, desenhos, isto é, por qualquer coisa que possa ser interpretada como aviso de ameaça, o que ficou conhecido como violência simbólica. Segundo Gilberto Velho (2000), a violência não se limita ao uso da força física, mas à possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão fundamental de sua natureza, associando-a a uma ideia de poder, quando se enfatiza a possibilidade de imposição de vontade, desejo ou projeto de um ator sobre o outro. O que especifica a violência é o desrespeito, a negação do outro, a violação dos direitos humanos que se soma à miséria, à exclusão, à corrupção, ao desemprego, à concentração de renda, ao autoritarismo e às desigualdades presentes na sociedade brasileira. Nas escolas, segundo os professores, a violência está aumentando não somente do ponto de vista quantitativo como também do qualitativo. Os tipos de violência assinalados por eles como estando mais presentes no dia a dia escolar são as ameaças e agressões verbais entre alunos e entre estes e os adultos. Os professores em seus relatos têm destacado que a violência, principalmente o desrespeito, é uma constante no meio escolar. Eles indicam que a violência na escola pública está banalizada, provocando inclusive que vários atos deixam até de serem percebidos como violentos. Embora menos frequentes, as agressões físicas também estão presentes. Charlot (2002) caracteriza a violência escolar como: violência na escola, violência à escola e violência da escola. O autor argumenta que esta distinção é importante no sentido de que se a escola é, em grande medida, impotente com respeito à violência na escola, isto é, a violência que é reflexo do mundo externo, ela não o é com respeito a sua ação face à violência da escola e à escola. Sposito (2001), em artigo em que faz um balanço sobre as pesquisas sobre violência escolar no Brasil, destaca que a relação conflituosa entre alunos e professores tem gerado um medo constante entre professores, que apelam para a segurança policial, o que afeta a qualidade da interação educativa e o clima escolar. O autor considera que os anos 1990 sejam um momento de mudanças no padrão da violência nas escolas públicas englobando agora não só atos de vandalismo, mas também práticas de agressões interpessoais. As agressões entre professores e alunos tornam-se cada vez mais presentes nas escolas públicas brasileiras a ponto de haver um grande número de afastamentos de docentes por problemas de saúde. Os estudos, ao indicarem a presença de manifestações de violência em outros grupos sociais, apontam também para uma crise da função socializadora da escola. Ou seja, esses atos violentos sinalizam as dificuldades da unidade escolar em criar possibilidades para que tais condutas assumam a forma de um conflito capaz de ser acertado no âmbito da convivência democrática (SPOSITO, 2001, p.100). O propósito deste texto é, então, fazer uma revisão sobre algumas tendências teóricas que têm permeado a discussão da violência escolar e sobre os programas de prevenção à violência. As perspectivas teóricas de análise da violência no âmbito escolar: uma revisão A revisão da literatura sobre o assunto evidencia algumas perspectivas teóricas, que embora não sejam únicas, têm se destacado e fundamentado as análises e as investigações empíricas sobre a violência escolar. A revisão sobre violência escolar aponta que o significado de violência e de comportamentos violentos é distinto nos diferentes estudos. Em alguns trabalhos apenas os atos de violência física são estudados. Outros, no entanto, enfocam a violência verbal, as agressões e, inclusive, as autoagressões (suicídios), enquanto que outros ainda atentam para o comportamento de oposição às atividades escolares, a depredação da escola, os furtos e os comportamentos delinquentes. Um conjunto de estudos sobre violência escolar tem procurado quantificar a incidência da violência nas unidades escolares. No levantamento que fez sobre as pesquisas em violência escolar Sposito (2001) assinala que os primeiros trabalhos realizados no Brasil, datados da década de 1980, procuram realizar um mapeamento de episódios de violência ocorridos no âmbito escolar, dando uma ênfase na questão da segurança e na questão da democracia na escola. Mais recentemente, é realizado sob a coordenação de Codo ( apud SPOSITO, 2001, um levantamento sobre a violência escolar com 52 mil professores dos sistemas públicos de ensino de todo o país. Este mapeamento revela que as agressões a alunos dentro das escolas variam de intensidade em cada estado, sendo que os maiores índices foram registrados no Distrito Federal, enquanto que o Estado do Rio de Janeiro apresentou o menor número de agressões físicas dirigidas a professores. Segundo o autor, os registros de violência que atingem alunos, professores e funcionários, é maior nas escolas públicas, em comparação com a rede privada, e nas oitavas séries do ensino fundamental e no ensino médio. Os trabalhos que analisam as relações estabelecidas entre os próprios alunos e os estudos a respeito dos maus tratos entre os escolares, conhecidos por bullying, têm, principalmente a partir dos anos 1990, se destacado. Segundo Revilla Castro (2002), nos países escandinavos há um número menor de estudantes implicados nesse tipo de violência escolar (10%). Na Inglaterra, na Espanha, em Portugal, Bélgica, Grécia, Canadá, Japão, China e Austrália o nível é superior (acima de 20%) e na Alemanha e na Itália o mau trato entre os escolares é superior a 30%. O mau trato é definido pela presença de relações assimétricas entre agressores e vítimas e por ser uma relação que implica em continuidade de tempo. Para que um comportamento seja definido como mau trato é necessário que exista uma diferença de poder entre agressores e vítimas. Esta diferença de poder se produz entre pessoas em princípio consideradas iguais (REVILLA CASTRO, 2002). Segundo Revilla Castro (2002), essas agressões que ocorrem entre iguais são menos custosas e têm maiores possibilidades de passarem despercebidas e não serem castigadas. Os estudos sobre bullying procuram examinar o sofrimento vivido por uma porcentagem de alunos causada pela conduta violenta de seus colegas em relação a ele. Estudam-se as consequências dos maus tratos tanto para os agressores quanto para as vítimas. As investigações realizadas estão dirigidas para a redução das incidências desse tipo de violência buscando melhorar a vivência escolar dos alunos submetidos aos maus tratos. Para Olweus (1998), um aluno é agredido e se converte em vítima quando está exposto, de forma repetida e durante certo tempo, às ações negativas exercidas por outro aluno. Estas ações negativas incluem condutas como: agressões verbais (insultos e ameaças), agressões físicas (golpes, socos, empurrões), danos materiais, exclusão da vítima do grupo de pares, ignorar a vítima, contar mentiras e levantar falsos rumores sobre ela. O autor constatou, ao analisar os processos grupais, que os grupos facilitam as condutas violentas por promover uma diminuição da responsabilidade individual e uma desinibição maior dos seus membros para assumir condutas violentas. Salmivalli ( apud REVILLA CASTRO, 2002), ao estudar as relações entre pares que se formam nas salas de aula, observa que os estudantes que se comportam de forma semelhante, sejam como agressores, ajudantes dos agressores, defensores das vítimas ou observadores, na dinâmica da violência escolar, tendem a se unir entre si e formar redes de ligação. Os alunos que permanecem fora destas redes tendem a serem vítimas com maior frequência. Mynard e Joseph ( apud REVILLA CASTRO, 2002) categorizaram quatro tipos principais de mau trato, que denominaram como: vitimização física, vitimização verbal, manipulação social e ataques à propriedade. As formas mais frequentes de mau trato são as agressões verbais, como insultos, ameaças e disseminação de boatos negativos sobre uma pessoa. Os insultos constituem-se na forma mais comum de agressão entre os escolares e a violência física é classificada por eles como a de menor incidência. Em geral, há uma diminuição do fenômeno, que é predominantemente masculino, em função da idade. Os estudos evidenciam que os agressores são fisicamente mais fortes, reagem com maior agressividade, são provocadores, apresentam tendência à hiperatividade, manifestam pouca empatia com os demais e inclusive se mostram satisfeitos com o sofrimento que provocam. São egocêntricos, hedonistas e têm uma autoestima defensiva alta. Mantêm uma relação insatisfatória e hostil com a escola, pois não gostam dela e nem dos professores. No entanto, são populares especialmente dentro de seu grupo. Isto indica, segundo Revilla Castro (2002) uma possível congruência entre estas características e o descompromisso com a escola. As vítimas em geral são mais frágeis fisicamente e às vezes têm uma aparência física desvalorizada socialmente. As vitimas são, por exemplo, os gordos, as pessoas pertencentes às minorias étnicas ou as que possuem alguma deficiência física ou mental. Em geral, aparentam insegurança e apresentam uma atitude submissa. Suas reações são pouco assertivas com tendência a reagir chorando e com o abandono da situação. Também, em geral, apresentam uma baixa autoestima, baixa autoconfiança e uma autoimagem negativa. Têm poucas relações com seus companheiros, são isoladas, pouco respeitadas e impopulares (REVILLA CASTRO, 2002). Olweus (1998), no entanto, distingue um tipo de vítima que denominou como provocativa, que se caracteriza por apresentar uma combinação de ansiedade, hiperatividade e agressividade em suas reações. Camacho (2001), em estudo no qual procurou investigar a relação entre os alunos, constata que as agressões entre pares são cometidas principalmente nos intervalos entre as aulas, nos pátios, no recreio e nos corredores. Na sala de aula sua incidência é menor embora esteja presente de uma forma mascarada, isto é, disfarçada como uma brincadeira. Isto sugere uma relação entre o aumento de maus tratos e agressões a uma maior possibilidade de impunidade, pela não presença de professores. Camacho (2001), concordando com os demais autores, afirma que as incivilidades que ocorrem sem parar surgem pela intolerância ao diferente, como os negros, os homossexuais, os bons alunos, os maus alunos e os feios. A relação estabelecida entre alunos e professores é também foco de atenção dos estudos sobre a violência escolar. Dubet (2003) aponta para a tensão que se cria na sala de aula pela necessidade que os alunos têm de mostrar para os seus colegas um descompromisso com a instituição escolar e pela necessidade de serem reconhecidos por seus pares por desafiarem a autoridade. Molpeceres, Lucas e Pons (2000) e Revilla Castro (2002) corroboram essas afirmações ao assinalarem que entre os jovens da Espanha está muito presente uma atitude negativa para o trabalho educativo. Os jovens parecem fazer ostentação do seu descompromisso com a escola, pois qualquer rendimento escolar elevado é visto pelos iguais como uma conformidade com as exigências do mundo adulto. Assim, para Revilla Castro (2002) a deslegitimação da escola e dos diplomas soma-se à subcultura juvenil que privilegia o ócio frente ao trabalho formativo e desconsidera tudo que é percebido como pertencente ao mundo adulto. Todas essas constatações têm então apontado que o cotidiano escolar é marcado pela presença de um constante desrespeito ao outro. A falta de polidez, a transgressão aos códigos de boas maneiras, se repetem sem parar, o que difere da violência das condutas criminosas ou delinquentes. Esses atos podem, parece-nos, serem enquadrados naquilo que se chama de incivilidade. Segundo Debarbieux (2001), o desrespeito na relação com o outro, provocado pelas incivilidades, é constituído de pequenas agressões cotidianas que ocorrem principalmente na escola. O desrespeito, segundo Martuccelli (2001), está associado ao fato de que os alunos na escola reivindicam um tratamento de igualdade entre professores e alunos, isto é um relacionamento não hierárquico, como se a relação com o adulto devesse seguir os mesmos moldes das relações entre pares. Os trabalhos sobre o contexto escolar têm evidenciado a influência do clima escolar na incidência da violência na escola. Blaya (2002), em pesquisa comparativa entre França e Inglaterra, destaca a importância dos estudos sobre “clima social” na investigação da violência escolar, além dos fatores psicológicos predominantes nos estudos sobre a temática. Alexandre e Curtis ( apud REVILLA CASTRO, 2002) têm assinalado a influência do tamanho dos centros escolares e das salas de aula na produção da violência nas unidades escolares. Estes autores mostram que nas grandes escolas a impessoalidade do ambiente aumenta e com isso os adultos dão menor atenção aos jovens com problemas. Simultaneamente nessas grandes escolas há uma menor capacidade por parte dos adultos de controle dos comportamentos juvenis. Além disso, o tamanho das salas de aula tem como consequência a possibilidade da convivência de um maior número de alunos com problemas de comportamento, o que contribui para que o problema se agrave. Estes estudos indicam também que a exacerbação da disciplina contribui para piorar a incidência da violência escolar. Os estudos sobre clima escolar têm também destacado que a diminuição da violência passa por uma postura firme e pelo empenho nas atividades didáticas do corpo docente, pelo compromisso dos professores com o seu trabalho e pelo tratamento não diferenciado entre os alunos de melhores e piores rendimentos escolares. Passa também pelo interesse dos alunos pela escola e pelas tarefas escolares. Quanto maior a perspectiva que o estudante vê para desenvolver-se na escola menos atos violentos ele comete. Buratto (1998), Salles (1998, 2000) e Fernandes (200) afirmam que o nível de comprometimento dos alunos com as tarefas escolares varia de acordo com o professor. Segundo eles os alunos valorizam a disponibilidade que o professor tem para se comunicar com os estudantes, o quanto respeita suas ideias e o quanto permite que interfiram no processo de tomada de decisões em sala de aula. Os estudantes participam mais e melhor quando percebem que os docentes se preocupam com eles, se interessam por sua vida pessoal e pelo seu bem estar, o que é justo, mostram interesse pelos alunos e não os castigam de forma humilhante. Segundo Revilla Castro (2002), a maioria dos estudos que coletaram depoimentos de alunos a esse respeito evidencia que as agressões dirigidas aos professores estariam relacionadas ao caráter débil do professor e à sua incapacidade para manter a ordem. Sposito (2001) aponta que as incivilidades sinalizariam um conjunto de insatisfações manifestadas pelos alunos diante de sua experiência escolar e, ao mesmo tempo, as dificuldades da unidade escolar em criar possibilidades para que tais condutas assumam a forma de um conflito capaz de ser gerido no âmbito da convivência democrática. Aponta também que essa relação entre adultos e adolescentes mediada pela escola é um reflexo maior das relações que se estabelecem entre esses jovens e a sociedade em geral. A perda da crença na legitimidade da escola tem se constituído em outro fator desencadeador de violência no âmbito escolar. Os estudos que tratam da resistência dos alunos à escola têm apontado para a deslegitimação dos conhecimentos (CHARLOT, 2002) e diplomas que são oferecidos pela escola como desencadeadores de violência. Para Willis (1988) certas formas de violência dos alunos adolescentes, filhos de trabalhadores, contra a instituição escolar indicam uma resistência à escola derivada de um sentimento de que os conhecimentos escolares e o próprio diploma são insuficientes para possibilitar uma ascensão social que os coloque acima da classe operária. Também Molpeceres, Lucas e Pons (2000) têm destacado que a perda da crença na escola como fonte de conhecimentos relevantes e como instrumento de mobilidade social ascendente faz com que as autoridades escolares percam a sua legitimidade produzindo uma sensação de ausência de sentidos e de imposição arbitrária das normas e atividades escolares. No mesmo sentido, Dubet (2003) afirma que as condutas violentas dos jovens são respostas à percepção de que é difícil atingir os objetivos preconizados pela escola como status e ascensão social. Bourdieu (1999) também aponta para a crise do sistema escolar que contraditoriamente, ao mesmo tempo em que possibilita a novas camadas da população o acesso à escola, conserva os mecanismos de exclusão social. Para Bourdieu (1999) o acesso maciço ao ensino modifica o valor simbólico e material dos diplomas desvalorizando-os. Os próprios alunos começam a perceber que o benefício é ilusório, à medida que no mercado de trabalho, o diploma não tem o valor esperado e prometido. Peralva (1997) também assinala que a massificação da escolarização faz com que a escola passe a ser destituída de sentido à medida que os diplomas por ela concedidos não garantem uma colocação no mercado de trabalho. Também para Candau (1999) a violência escolar está associada à deslegitimação da escola. Em uma outra direção, outros estudos têm apontado para a importância do contexto familiar na produção da violência no âmbito escolar. Ao enfocarem o contexto familiar os estudos destacam uma relação entre violência infantil e/ou juvenil e problemas nas relações familiares sejam estas entre o próprio casal ou entre os pais e seus filhos. As investigações evidenciam uma relação entre conduta violenta e ruptura da estrutura familiar (como a separação dos pais), existência de relacionamentos familiares conflitivos, pouca habilidade dos pais em lidar com as crianças e a permissividade deles. Segundo Patterson (1982, 1992), os estilos parentais de imposição de disciplina marcados por práticas disciplinares autoritárias, inconsistentes e punitivas e permissivas contribuem para que as crianças sejam excluídas por seus iguais e para a ocorrência de comportamentos violentos. O comportamento agressivo que se manifesta no interior das famílias pautadas por este tipo de comportamento se generaliza. Os comportamentos violentos que até então apareciam apenas no contexto privado da família surgem também no meio escolar, tanto na sala de aula quanto na relação com os amigos, e depois nas rua. Postula-se com isso um modelo de transferência da violência: família, escola, rua. Os estudos que analisam as características dos familiares dos agressores têm apontado para três fatores relacionados com as normas de socialização paterna. Em primeiro lugar, uma atitude básica do principal responsável, em geral a mãe, negativa em relação ao filho, com pouca demonstração de afeto. Soma-se a isso uma permissividade para comportamentos agressivos em casa e, mesmo em alguns casos, o incentivo dos pais para que os filhos exerçam violência. E, por fim, predomina o uso de métodos disciplinares agressivos com castigos físicos e emocionais muito violentos (MELO, 1998; REVILLA CASTRO, 2002). A localização geográfica da escola e a presença do crime organizado, isto é, o entorno escolar, e a sua possível influência na violência escolar tem também se constituído em objeto de estudo. Entretanto, esses estudos têm apontado que não há uma relação linear entre esses determinantes. Há escolas localizadas em bairros violentos que não apresentam violência e outras violentas em bairros considerados não violentos (CHARLOT, 2002; CODO, 1999, apud SPOSITO, 2001). No mesmo sentido, Sposito (2001) afirma que nem sempre os índices de violência em meio escolar coincidem com os índices mais gerais da violência que atingem os jovens de forma que a violência em meio escolar não está diretamente associada à criminalidade que atinge os jovens em algumas áreas urbanas. A autora aponta, então, para a importância de que os estudos sobre violência escolar estejam articulados com o tema da violência social, buscando compreender as conexões entre os diferentes fenômenos presentes nessa situação. A influência da própria sociedade enquanto determinante dos comportamentos violentos na escola é problematizada, entre outros, por La Taille (1998, 2000). Para o autor os valores da sociedade penetram as relações que se estabelecem na escola. Hoje, em uma sociedade caracterizada pelo individualismo, qualquer limite, parâmetro e diretriz são vistos como práticas autoritárias que cerceiam a espontaneidade dos alunos. Para La Taille a sociedade atual favorece uma forma de socialização individualista que pode até mesmo chegar a valorizar a violência para se atingir metas pessoais e uma representação de si mesmo como violenta é passível de valorização por elas próprias. Em geral, são essas análises que têm, direta ou indiretamente, norteado as propostas de intervenção para a prevenção da violência nas unidades escolares. Algumas propostas e programas de prevenção à violência As propostas para prevenção da violência nas escolas têm privilegiado diferentes aspectos. Ora essas propostas são norteadas por políticas públicas que apoiam a abertura das escolas aos finais de semana, ora são fundamentadas na prática das rondas escolares, ora se privilegiam ações e intervenções centradas no protagonismo juvenil, como no projeto Escola da Família. E, ora na proposição de estratégias que contribuam para a resolução de conflitos e para o incentivo ao estabelecimento de relações democráticas na escola. Deter-nos-emos neste texto, como dito anteriormente, a refletir sobre as propostas que foram implementadas por iniciativa governamental e focalizam as relações interpessoais que permeiam o contexto escolar. Isto é, as propostas que têm como objetivo principal incentivar as relações democráticas na escola propondo estratégias para se intervir nesse sentido. Com isso, iniciativas isoladas implantadas por unidades escolares não serão objeto de análise. No Brasil, como iniciativa governamental, parece-nos que somente no Programa Ética e Cidadania 1 1 http://mecsrv04.mec.gov.br/seif/eticaecidadania/index.html >, que incentiva as escolas a elaborar um projeto com essa temática, a questão da violência está inserida como um dos módulos a ser contemplado. O intuito do modulo não é o de criar uma escola onde os conflitos sejam eliminados mas sim o de promover ações e estratégias que mantenham os comportamentos em níveis democraticamente aceitáveis. O pré-suposto é que se não é possível postular uma ausência de conflitos em instituições que são compartilhadas por seres humanos é, no entanto, possível lidar com os conflitos de forma democrática. O módulo que trata da violência no âmbito escolar enfatiza, nesse sentido, que as relações entre as pessoas sejam pautadas pelo diálogo e pela resolução pacífica de conflitos. Este módulo do Programa Ética e Cidadania tem como proposta promover reflexões, discussões e apontar caminhos pedagógicos para a construção de relações interpessoais democráticas no convívio escolar. Para tanto propõe a introdução das assembleias escolares, o fortalecimento dos grêmios estudantis, a implantação de estratégias de resolução e de mediação de conflitos e de estratégias de aproximação entre escola, família e comunidade. A finalidade última deste módulo e de todo o programa é criar condições para a construção de valores democráticos que auxiliem na transformação das relações sociais, de forma a se atingir a justiça social e o aprendizado da participação cidadã nos destinos da sociedade. Uma outra proposta fundamentada no mesmo modelo é o programa de Educación para la Tolerancia y Prevención de la Violencia en los Jóvenes, implantado na Espanha, denominado Convivir es Vivir. Este programa foi desenvolvido pelo Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales – Instituto de la Juventud, juntamente com os Ministerios de Educación y Cultura y Asuntos Sociales e a Universidad Complutense de Madrid e foi implantado nos Institutos de Educación Secundaria, Foi iniciado em 1997 e implantado em 26 centros educativos da Comunidad de Madrid (CAM). O programa Convivir es Vivir, fundamentado no resultado de pesquisas, coordenado por Diaz-Aguado entre os anos de 1994-1997, que tinha por objetivo analisar as causas de intolerância e violência entre os jovens, tem como propósito envolver todos os membros da comunidade escolar num projeto de educação para a não violência e para a tolerância com os diferentes (DIAZ-AGUADO, 1996, 2002, 2003). O pressuposto da proposta é que a escola é tanto o espaço privilegiado para desenvolver a prevenção quanto o local onde as dinâmicas de intolerância e violência ocorrem com mais frequência. O professor é concebido como um agente facilitador do desenvolvimento de atitudes de tolerância entre os jovens e com isso contribui para a prevenção da violência e para a educação para a paz. Desta forma, o projeto tem por finalidade reduzir as variáveis de risco e potencializar as variáveis protetoras como a participação dos jovens em grupo de apoio, o aumento da autoestima e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento de conflitos. Diaz-Aguado assinala que os meninos agressivos têm poucas habilidades negociadoras apresentando uma maior tendência a responderem com agressividade a uma provocação. O modelo de intervenção adotado está organizado em 7 unidades temáticas que são propostas para discussão e reflexão entre grupos de jovens nas escolas: racismo e intolerância, violência, jovens, povo cigano, imigrantes e refugiados, direitos humanos e democracia. Este material é complementado por um material de apoio para trabalhar em aula que consiste em um guia informativo para cada uma das temáticas propostas para reflexão e material complementar constituído por exercícios escritos e audiovisuais. A proposta de intervenção para a prevenção da violência de jovens está delineada em 6 eixos estruturantes: 1- a adequação do ensino às tarefas evolutivas da adolescência. Para tanto se procura estimular o pensamento abstrato e a autonomia do adolescente. Busca-se incentivar no adolescente a noção de direitos e deveres e a importância de ser responsável. A ideia é tornar os jovens protagonistas das situações de aprendizagem; 2- a redução das condições de risco psicossocial e o desenvolvimento das competências que protegem os jovens como a adaptação ao sistema escolar, a integração em grupo de pares e o desenvolvimento da competência socioemocional; 3- a estimulação para que ocorram mudanças cognitivas, afetivas e de conduta. Procura-se desenvolver nos jovens atitudes que os levem a incorporar a tolerância e repudiar a violência na sua própria identidade e ensinar a eles a competência de resolver conflitos; 4- a discussão sobre diversas situações de intolerância para que os jovens aprendam a detectar e combater as condições que levam a isso e como superá-las; 5- o desenvolvimento nos jovens da percepção da intolerância e da violência como uma grave ameaça aos direitos humanos; 6- a implantação e o incentivo da democracia escolar. A intervenção na escola se dá por meio de 4 procedimentos gerais de intervenção educativa: 1. Discussão entre pares. É proposto que os jovens participem de discussão e debates em grupos heterogêneos. Essa discussão tem por objetivo trazer para a reflexão conflitos da própria escola, notícias de jornal etc.2. Aprendizagem cooperativa. Procura-se com esta atividade desenvolver nos jovens responsabilidades e atitudes de solidariedade em grupos heterogêneos. Propõe-se para tanto que os jovens investiguem coletivamente sobre um assunto polêmico.3. Resolução de conflitos. Propõem-se situações que permitam aos jovens vivenciar experiências de resolver conflitos por meio de procedimentos de negociação.4. Participação em exercícios de democracia participativa. Procura-se com esta atividade permitir ao jovem adquirir experiência de democracia participativa em grupos heterogêneos. Uma análise avaliativa do programa mostrou que aumentou entre os jovens atitudes de tolerância, diminuição do risco de sofrer ou protagonizar violência, aceitação dos direitos humanos, disponibilidade para reflexão e discussão conjunta, resolução de conflitos por forma negociada e uma relação mais democrática entre professores e alunos e entre alunos. Considerações finais Assim, como vimos, essas duas propostas incorporam as discussões presentes nos estudos sobre os conflitos existentes e procuram trabalhá-los desenvolvendo estratégias que buscam incentivar um convívio escolar mais democrático, de respeito e tolerância ao outro. O eixo norteador das propostas são as técnicas que ensinam a negociação de conflitos e o incentivo a práticas democráticas na escola. As propostas são centradas no cotidiano escolar e com uma proposta de intervenção voltada a educar os agentes escolares, alunos, professores, diretores e funcionários, a lidar com as pequenas agressões cotidianas que aparecem no desrespeito, segregação, exclusão e indiferença ao outro. Ou seja, são propostas que buscam desenvolver estratégias de intervenção para as pequenas violências que ocorrem constantemente no âmbito escolar. E, pelo exposto, parece que essas propostas têm dado resultados positivos. No entanto, essas propostas não destacam o papel da subcultura juvenil e adolescente no descompromisso com a escola, mesmo que tudo pareça indicar que cada vez mais os jovens aderem de forma mais precoce aos significados associados à cultura adolescente tal como são transmitidos pelos meios de comunicação. A deslegitimação da escola como meio de ascensão social e que pode gerar um não comprometimento dos alunos com a escola e com os estudos também não é considerada. Além disso, como apontados nos estudos, não são considerados o clima escolar e o contexto familiar que consistem em outros aspectos que se somam aos demais como desencadeadores de violência. Também a violência na escola está, muitas vezes, associada à violência institucional da própria escola, isto é, ligada à disciplina escolar, à forma como é imposta e em que grau. Assim, falar apenas da importância do estabelecimento de relações democráticas nas relações escolares pode não bastar, caso essa relação permaneça restrita a um local e a um espaço, o do programa de prevenção. E não atinja todo o contexto escolar e não promova o envolvimento da equipe gestora, dos diferentes professores e dos funcionários, ou seja, de todos os profissionais que atuam no espaço escolar. Também é importante que se intervenha na problemática da violência de jovens na escola relacionando-a a outros tipos de violências determinadas pelas condições estruturais da sociedade. Por exemplo, a violência ligada à desigualdade social que é produzida e legitimada pelo sistema educativo. Enfim, a violência dos estudantes não pode ser compreendida plenamente a não ser que a situemos em seu contexto social e cultural. Caso contrário, a violência escolar parece não ser mais que um problema individual, uma carência de habilidades sociais de alguns indivíduos ou quando muito causada pelo fato de o jovem pertencer a uma família desestruturada. É necessário compreender o indivíduo em sua totalidade entendendo que a sua história de vida, embora seja singular, não é um processo interior independente da sociedade. O social constitui o subjetivo definindo a forma pela qual o indivíduo vai se posicionando frente aos diferentes espaços sociais pelos quais transita. Mesmo com toda a dificuldade que possa acarretar o pressuposto que deve fundamentar a elaboração de uma proposta de intervenção com a finalidade de prevenir a violência na escola é que esta é multideterminada. Não cabe, portanto, isolar um ou outro aspecto e se restringir a agir sobre eles. As técnicas de negociação de conflitos e o incentivo às relações democráticas, embora importantes, e possam trazer resultados positivos, são insuficientes para trabalhar a violência no âmbito escolar, pois os determinantes da violência vão além das características individuais e grupais dos indivíduos envolvidos e não se restringem às vivências do contexto escolar. Assim, é importante que os programas de prevenção à violência ampliem a reflexão sobre as variáveis intervenientes na violência escolar, incorporando reflexões como as condições concretas de vida, os valores, preconceitos e a questão política e ideológica. Texto recebido em 18 de março de 2009. Texto aceito em 21 de junho de 2009. 1 < A violência na escola: abordagens teóricas e propostas de prevenção School violence: theoretical approaches and proposals of prevention 1
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