Artigo Sobre Ler E Dort?
O objetivo deste artigo, apoiado em uma revisão da literatura, é analisar a complexidade dos fatores psicossociais associados às LER / DORT e discutir a fragmentação das pesquisas na área. As LER / DORT são um fenômeno multifatorial (fatores: biomecânicos, organizacionais e psicossocais) e multidimensional (dimensões: individual, grupal e social).
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As LER/DORT são um fenômeno multifatorial (fatores: biomecânicos, organizacionais e psicossocais) e multidimensional (dimensões: individual, grupal e social). Um desafio para a pesquisa é compreender como os fatores e as dimensões interagem entre si para produzir ou potencializar os sintomas e como impactam na reabilitação e prevenção.
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O que é ler e Dort?
LER e DORT são as doenças que mais acometem os trabalhadores, aponta estudo Levantamento do Ministério da Saúde mostra que, em 10 anos, as duas doenças representam 67.599 casos entre os trabalhadores do país. Índice aumentou 184% no mesmo período As Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) são as doenças que mais afetam os trabalhadores brasileiros. A constatação é do estudo Saúde Brasil 2018, do Ministério da Saúde. Utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o levantamento aponta que, entre os anos de 2007 e 2016, 67.599 casos de LER/Dort foram notificados à pasta.
- Neste período, o total de registros cresceu 184%, passando de 3.212 casos, em 2007, para 9.122 em 2016.
- Tanto o volume quanto o aumento nos casos nesse período sinalizam alerta em relação à saúde dos trabalhadores.
- Os dados, que constam no capítulo ‘Panorama de Doenças Crônicas Relacionadas ao Trabalho no Brasil’, indicam aumento na exposição de trabalhadores a fatores de risco, que podem ocasionar incapacidade funcional.
O estudo apontou, também, que esses problemas foram mais recorrentes em trabalhadores do sexo feminino (51,7%), entre 40 e 49 anos (33,6%), e em indivíduos com ensino médio completo (32,7%). A região que registrou o maior número de casos foi o Sudeste, com 58,4% do total de notificações do país no período.
Em 2016, os estados que apresentaram os maiores coeficientes de incidência foram Mato Grosso do Sul, São Paulo e Amazonas. Já quando falamos nos setores ocupacionais, a ocorrência de LER e DORT foi maior nos profissionais que atuam nos setores da indústria, comércio, alimentação, transporte e serviços domésticos/limpeza.
Nas profissões; os faxineiros, operadores de máquinas fixas, os alimentadores de linhas de produção e os cozinheiros foram os mais atingidos com algum desses problemas de saúde no trabalho. A LER e o DORT são danos decorrentes da utilização excessiva do sistema que movimenta o esqueleto humano e da falta de tempo para recuperação.
Caracterizam-se pela ocorrência de vários sintomas, de aparecimento quase sempre em estágio avançado, que ocorrem geralmente nos membros superiores, tais como dor, sensação de peso e fadiga. Algumas das principais, que acometem os trabalhadores, são as lesões no ombro e as inflamações em articulações e nos tecidos que cobrem os tendões.
Essas doenças são relacionadas ao trabalho e podem prejudicar a produtividade laboral, a participação na força de trabalho e o comprometimento financeiro e da posição alcançada pelo trabalhador. Além disso, elas são responsáveis pela maior parte dos afastamentos do trabalho e representam custos com pagamentos de indenizações, tratamentos e processos de reintegração à ocupação.
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Como é feito o tratamento de LER DORT?
ARTIGO Reabilitação de pacientes com LER/DORT: contribuições da fisioterapia em grupo * * Artigo baseado em tese para obtenção de título de doutor de Luciane Frizo Mendes, intitulada A contribuição da fisioterapia em grupo na recuperação e reabilitação de pacientes com LER/DORT, defendida na Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, em 2008. Rehabilitation of patients with RSI/WRMD : the contribution of group physical therapy Luciane Frizo Mendes I ; Selma Lancman II I Docente do Curso de Fisioterapia da Universidade Metodista de São Paulo – SP, Brasil II Docente do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – SP, Brasil Contato RESUMO OBJETIVO: Avaliar os benefícios da associação do tratamento cinesioterapêutico com as dinâmicas de grupo, numa abordagem mais integral do processo saúde-doença, na recuperação e na reabilitação de portadores de LER/DORT em relação à funcionalidade e ao retorno ao trabalho. MÉTODO: vinte e quatro pacientes diagnosticados com LER/DORT foram distribuídos aleatoriamente em intervenções individuais e grupais, em 2008. O protocolo de cinesioterapia foi o mesmo nas duas intervenções e durou 10 sessões. Após os exercícios, foram abordados aspectos psicossociais importantes para o tratamento. A análise das intervenções ocorreu através da avaliação da funcionalidade pelo Questionário DASH e por uma entrevista semiestruturada para avaliar qualitativamente o impacto dessas intervenções no quadro clínico e na qualidade de vida após o tratamento. RESULTADOS: A avaliação da funcionalidade identificou que em nenhuma das intervenções houve alteração das funções dos membros superiores. Na análise das entrevistas, observou-se que os participantes relataram uma percepção de melhora do quadro clínico e da funcionalidade em suas vidas, mas que não foi suficiente para assegurar o retorno ao trabalho. CONCLUSÃO: As reflexões criadas nas duas intervenções permitiram uma abordagem mais global do processo de adoecimento, recuperação e reabilitação do paciente com LER/DORT, mas não foram suficientes para garantir o retorno ao trabalho. Palavras-chave: saúde do trabalhador; transtornos traumáticos cumulativos/reabilitação; modalidades de fisioterapia; grupos. ABSTRACT OBJECTIVE: Assess the benefits of associating kinesiotherapeutic treatment to group dynamics in a more integrative approach for the health-illness process of recovering and rehabilitating RSI/WRMD patients, regarding their functionality and return to work. METHOD: In 2008, 24 RSI/WRMD patients were randomly distributed for individual and group interventions. The kinesiotherapeutic protocol was the same for both interventions and took 10 sessions. After the exercises, psychosocial aspects considered important to the treatment of RSI/WRMD patients were addressed individually and in groups. The impact of the interventions on patients’ clinical condition and on their quality of life was evaluated by using DASH Questionnaire for patients’ functionality and semi-structured interviews. RESULTS: The assessment of patients’ upper-limb functionality revealed that there was no change in their functional state in none of interventions. The interviews, on the other hand, indicated that the participants improved their clinical condition and functionality, but this improvement was not enough to assure their return to work. CONCLUSION: The possibility of reflection during both types of intervention allowed a more comprehensive approach to deal with RSI/WRMD patients’ illness, recovery and rehabilitation processes, but it was not enough to ensure their return to work. Keywords: occupational health; cumulative trauma disorders/rehabilitation; modalities of physical therapy; groups. Introdução As ações de saúde do trabalhador na rede pública de serviços de saúde estavam inseridas, até a década de 1980, nos Programas de Saúde do Trabalhador. Com a institucionalização do SUS (Sistema Único de Saúde), foram reorganizadas e integradas em Centros de Referência, tornado-se uma estrutura de apoio na rede básica para os problemas de saúde do trabalhador. Esses Centros garantem desde a assistência às ações até atividades em vigilância nas empresas, privilegiando tanto a prevenção de agravos e promoção da saúde, quanto a assistência à saúde dos trabalhadores acometidos por doenças relacionadas ao trabalho (BRASIL, 2001). A Lesão por Esforço Repetitivo ou Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (LER/DORT) é uma das mais importantes causas de afastamento e destaca-se entre as maiores repercussões na saúde do trabalhador decorrentes das transformações do trabalho, principalmente dos novos modelos organizacionais e de gestão (BRASIL, 2001). Os serviços de referência em saúde do trabalhador de diversas regiões do país recebem uma alta demanda de trabalhadores portadores de LER/DORT, que buscam associar legalmente o diagnóstico com o trabalho, orientações previdenciárias e recursos terapêuticos (SETTIMI et al., 1998). O tratamento desses trabalhadores não deve considerar apenas aspectos clínicos e deve incluir também uma preparação para o retorno ao trabalho, algumas orientações para a melhor forma de realizar as atividades laborais e a própria modificação do trabalho. Nesse sentindo, é necessária a atuação de diversos profissionais, como médicos, engenheiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, ergonomistas, assistentes sociais, dentre outros, para garantir a análise global da problemática (SATO, 2001; SETTIMI et al., 1998). As atividades em grupos complementando os procedimentos terapêuticos com pacientes com LER/DORT têm sido utilizadas desde o início dos anos 1990 (LIMA; OLIVEIRA, 1995). Elas têm possibilitado que os trabalhadores acometidos saibam lidar de forma mais autônoma com o seu quadro clínico e com as limitações associadas, que eles modifiquem sua forma de trabalhar e de realizar as atividades de vida diária e que também possam amenizar o sofrimento advindo da doença e da culpabilização a eles atribuída pelo adoecimento do qual são vítimas. As vivências grupais permitem ao trabalhador transformar percepções individuais em percepções coletivas, a partir da identificação de seus próprios processos com os dos outros participantes. Dessa forma, favorecem o estabelecimento de relações do seu próprio adoecimento com o processo de trabalho e facilitam a compreensão de que o processo de adoecimento é mais do que um processo individual e, sim, decorrente do próprio trabalho (SATO et al., 1993). Apesar dos programas de tratamentos e reabilitação de pacientes com LER/DORT indicarem uma abordagem multidisciplinar, a fisioterapia é muitas vezes o primeiro e único procedimento terapêutico acessível e pode ser uma etapa de longa duração no tratamento desses trabalhadores (ASSUNÇÃO, 2001). A utilização de recursos físicos é importante para o controle da dor dos pacientes com LER/DORT. Os recursos analgésicos devem ser associados à cinesioterapia para proporcionar a redução do edema e da inflamação, a melhora das condições circulatórias, o relaxamento da musculatura, a amenização da dor e uma potencialização da capacidade funcional destes pacientes (YENG, 1995). Acredita-se que, no tratamento fisioterapêutico, a abordagem em grupo também poderia potencializar os efeitos dos recursos físicos utilizados, acentuando a melhora do quadro clínico dos pacientes (SIQUEIRA; QUEIROZ, 2001). A cinesioterapia em grupo faz com que o paciente aprenda a assumir parte da responsabilidade de seu próprio exercício, adquira confiança no tratamento, compreenda a dimensão coletiva do seu adoecimento, rompa com o isolamento, muitas vezes provocado pela doença, e perceba que, ao mesmo tempo em que precisa de ajuda, pode auxiliar outros membros do grupo (GARDINER, 1993; ZIMERMAN, 1997). Dessa forma, num tratamento fisioterapêutico dos trabalhadores com LER/DORT, se restabeleceria o caráter social do processo de adoecimento, reduzindo o foco no sintoma, tal como é feito nos tratamentos tradicionais. A participação nos grupos oferece, ainda, maior reconhecimento social, que pode auxiliar o portador de LER/DORT a ficar mais confiante em si, a conviver melhor com sua situação clínica durante o tratamento, com suas limitações, a se preparar melhor para o retorno ao trabalho ou a procurar novas formas de inserção profissional (LIMA; OLIVEIRA, 1995). O objetivo deste artigo é avaliar os benefícios da associação do tratamento cinesioterapêutico com as dinâmicas de grupo em uma abordagem mais integral do processo saúde-doença no processo de recuperação e reabilitação de pacientes com LER/DORT, em relação à funcionalidade e ao processo de retorno ao trabalho. Método Trata-se de um estudo clínico comparando dois tipos de tratamento: a intervenção cinesioterapêutica individual com a intervenção cinesioterapêutica em grupo. Local e sujeitos Este estudo foi desenvolvido em 2008, em dois Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, um localizado no município de Santo André e o outro, no município de São Paulo, no Estado de São Paulo, Brasil. Os critérios de inclusão dos sujeitos nesta pesquisa foram: trabalhadores (homens e mulheres) que possuíam uma ou múltiplas patologias em membros superiores, com nexo com trabalho estabelecido (diagnóstico clínico de LER/DORT) e com a Comunicação do Acidente de Trabalho emitida, independentemente da situação ocupacional em que se encontravam (empregados, afastados ou desempregados). Foram selecionados 44 pacientes com diagnóstico clínico de LER/DORT em membros superiores, que aguardavam atendimento fisioterapêutico nestes serviços, caracterizando uma amostra de conveniência. Destes, 24 pacientes concordaram em participar do estudo e foram aleatoriamente distribuídos para os dois tipos de intervenção: tratamento cinesioterapêutico em grupo (n=12) e tratamento cinesioterapêutico individual (n=12). Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, conforme resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde da Cidade de São Paulo. Procedimentos Os procedimentos realizados nesta pesquisa foram divididos em 3 etapas: avaliação inicial, intervenção individual ou em grupo e uma avaliação final. Estes procedimentos estão explicados nos tópicos a seguir. Avaliação: Os pacientes foram avaliados individualmente em uma sessão antes e em outra após o período de tratamento, com os mesmos instrumentos de avaliação. Um protocolo de avaliação fisioterapêutica em saúde do trabalhador que investiga a história clínica, ocupacional e o comprometimento físico foi utilizado para o acompanhamento desses indivíduos durante todo procedimento de pesquisa e para a caracterização da amostra. A versão brasileira do questionário DASH ( Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand ) foi utilizada para mensurar o impacto das intervenções no estado funcional dos membros superiores dos pacientes com LER/DORT (ORFALE et al., 2005; CAMARGO et al., 2007). Este questionário contém 30 questões que exploram a funcionalidade e os sintomas em membros superiores; cada questão tem cinco possibilidades de resposta, variando entre não haver dificuldade e não conseguir realizar a atividade questionada, havendo uma pontuação de 1 a 5. A pontuação final do questionário varia de 0 a 100, sendo obtida pela aplicação de uma fórmula, sendo que o valor 100 indica uma incapacidade física dos membros superiores para as atividades de vida diária e a de trabalho. O módulo ocupacional deste questionário também foi utilizado para verificar a capacidade funcional para a atividade de trabalho. Uma entrevista semiestruturada com questões predeterminadas foi realizada com os pacientes, apenas após o tratamento, com a finalidade de analisar, sob o ponto de vista qualitativo, os efeitos das intervenções em relação à melhora do quadro clínico, à percepção sobre seu adoecimento, sobre as modificações da intervenção em suas vidas e as perspectivas para o retorno ao trabalho. Intervenção: O tratamento cinesioterapêutico em grupo foi denominado de intervenção grupal e o tratamento cinesioterapêutico realizado com uma única pessoa, de intervenção individual. Os dois tipos de intervenção ocorreram em 10 sessões, com uma frequência de 2 vezes por semana. O protocolo de cinesioterapia foi o mesmo para as duas intervenções: individual e grupal. Os exercícios foram baseados em técnicas de autoalongamento, fortalecimento muscular, mobilização articular ativa, facilitação neuromuscular proprioceptiva, reeducação postural e exercícios respiratórios (KISNER; COLBY, 1998; BANDY; SANDERS, 2003). Assim, foi estabelecida uma sequência de exercícios para cada sessão, que foi aplicada da mesma forma e com as mesmas orientações nos dois tipos de intervenções ( Quadro 1 ). Os exercícios de autoalongamento eram mantidos por 20 segundos com séries de 5 repetições, e os exercícios de fortalecimento eram realizados com séries de 10 repetições sem carga. O protocolo estabeleceu a introdução progressiva dos exercícios para respeitar a evolução clínica dos pacientes. Após os exercícios, eram abordados temas considerados importantes no tratamento dos pacientes com LER/DORT, como as causas do adoecimento, a influência da doença nas limitações impostas pelo quadro clínico, as modificações e as novas alternativas para realizar as atividades de vida diária necessárias para o controle do quadro e a garantia da funcionalidade, as dificuldades do tratamento e do controle do quadro doloroso, o impacto do adoecimento na vida familiar, a participação do paciente no tratamento e o retorno ao trabalho ( Quadro 1 ). A fim de padronizar essa abordagem nas duas intervenções, foi criada uma estratégia para possibilitar o processo de reflexão destes aspectos nas intervenções individuais e em grupo com a leitura de historietas clínicas. A palavra historieta refere-se à narração de uma história pequena, curta. Foi estabelecido um tema para cada sessão e para cada tema encontrado uma narração feita por um paciente com LER/DORT (historieta clínica) que trouxesse para a discussão o tema equivalente. Essas narrações foram retiradas de livros, e as entrevistas publicadas em jornais e revistas. No final de cada sessão, essa historieta clínica era lida para o paciente que participava da intervenção individual para que o mesmo refletisse sobre o assunto e, se fosse seu desejo, poderia comentar a leitura com a fisioterapeuta. Para os pacientes que participaram da intervenção em grupo, a mesma estratégia de leitura das historietas acontecia, entretanto, os mesmos, em um processo interativo, eram convidados a comentar e a discutir entre eles o tema apresentado. Em ambas as intervenções, a fisioterapeuta coordenou as discussões dos temas, não interferindo no desenrolar das mesmas, respondendo apenas algumas dúvidas de ordem fisiopatológica relacionadas a aspectos técnicos da doença, mantendo-se como mediadora das discussão ou dos comentários propostos pelas historietas. Análise dos dados As variáveis idade e tempo de início dos sintomas foram analisadas pelo teste t de Student. O número de indivíduos para as categorias sexo, escolaridade e situação ocupacional foi comparado utilizando-se o teste de Fischer. Já para as categorias atividade de trabalho e diagnóstico clínico foi utilizada a descrição simples do número de indivíduos por subcategoria. O teste de Wilcoxon foi utilizado para analisar a pontuação do questionário DASH e do módulo ocupacional do questionário DASH, antes e após as intervenções. O nível de significância adotado foi de p<0,05. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra e foram analisadas seguindo o modelo de análise de conteúdo proposto por Minayo (1992). Nesta forma de análise, através de uma leitura flutuante, buscou-se detectar, em um primeiro momento, temas que se repetiam nas entrevistas para que depois estes fossem agrupados e transformados em categorias que pudessem ser contrapostas, comparadas e analisadas. Resultados Perfil da população estudada As variáveis idade, sexo, escolaridade, situação ocupacional e tempo de início dos sintomas apresentaram p>0,05, não havendo diferenças entre os participantes das intervenções individual e em grupo ( Tabela 1 ). Na Tabela 2, estão descritas as atividades de trabalho dos pacientes por intervenção e pode-se identificar uma diversidade de ocupações em ambas as intervenções. Ainda na Tabela 2, é possível verificar os diagnósticos clínicos dos pacientes, nos quais as patologias de ombro foram encontradas com maior prevalência entre os participantes das duas intervenções. Avaliação da funcionalidade/questionário DASH A Tabela 3 mostra a mediana de pontuação do questionário DASH e do módulo ocupacional do questionário DASH dos pacientes das intervenções individual e em grupo, antes e depois do tratamento. De acordo com essa tabela, pode ser observado que houve uma redução da pontuação do questionário DASH em ambas as intervenções, entretanto essa diminuição não foi considerada significante. A avaliação da funcionalidade em relação à atividade de trabalho, através do módulo ocupacional do questionário DASH, também revelou que não houve diferenças significantes na mediana da pontuação antes e após as intervenções nesta amostra ( Tabela 3 ). Análise das entrevistas A análise das entrevistas permitiu identificar sete temas relacionados aos dois tipos de intervenções realizadas pelos pacientes: modificações no quadro clínico, modificações na vida cotidiana, tratamento e intervenção em grupo, tratamento e historietas clínicas, tratamento cinesioterapêutico, relação terapeuta-paciente e perspectivas para o retorno ao trabalho, como pode ser visto no Quadro 2, A análise destes temas, oriundos dos depoimentos dos participantes das duas intervenções, revelou melhora do quadro clínico e de maneira semelhante entre eles, como ilustram os trechos abaixo que identificam no final o tipo de intervenção (Individual – I ou Grupal – G) e classificam os pacientes entrevistados através de um numero (p.): “Agora eu tenho menos dor, não fico reclamando tanto” (I, p.6). “Eu não sinto dor com frequência como no caso quando eu cheguei” (G, p.3). A análise das entrevistas permitiu identificar que os dois tipos de intervenção produziram ganhos indiretos, na vida cotidiana desses pacientes, em três aspectos: no ritmo de execução das atividades de vida diária, nas atividades de lazer e nas relações interpessoais. As entrevistas apontam que, após a intervenção individual e em grupo, ocorreu uma diminuição no ritmo de execução das atividades de vida diária, ou seja, os participantes estão planejando as atividades e executando-as de forma mais lenta. Associado a isso, identificou-se que os pacientes estavam desenvolvendo uma nova noção de seus limites e passavam a respeitar os seus novos limites: “Procuro fazer aos poucos. Hoje faço uma coisa, amanhã, outra” (I, p.9). “Para mim tá mais fácil assim, porque eu procuro manter a casa todo dia organizada” (G, p.9). Segundo o relato dos pacientes, as intervenções produziram efeitos diferentes na melhora da funcionalidade. No discurso de alguns pacientes participantes da intervenção individual, estava presente a dificuldade para a realização de algumas atividades: “Eu fico mais com o braço imobilizado, eu movimento pouco. Faço alguma coisa básica, mas muita coisa não dá pra fazer” (I, p.8). Já na fala dos participantes que participaram da intervenção em grupo, houve uma percepção de melhora funcional: “Consigo fazer com mais facilidade, não com tanta agilidade” (G, p.10). Embora as historietas clínicas não tenham sido valorizadas em si pelos pacientes submetidos à intervenção em grupo, a possibilidade de discussão dos assuntos despertados a partir das leituras permitiu a troca de experiências vivenciadas entre os integrantes do grupo. Este nos parece ser o aspecto mais relevante da abordagem cinesioterapêutica em grupo: “Não só o tratamento, mas a leitura que você fazia me ajudou bastante, As histórias de outros pacientes que já tinham passado uma experiência de vida.” (G, p.9). Já no tratamento individual, as historietas representaram uma possibilidade de compartilhar as experiências de outros pacientes: ” Eu já senti muitas coisas dessa daí que você leu” (I, p.10). As dinâmicas do grupo possibilitaram, entre os seus integrantes, uma relação interpessoal, que os estimulava na execução dos exercícios e que facilitou uma tomada de consciência sobre o adoecimento e o processo de recuperação. Os pacientes submetidos à intervenção grupal apresentaram um maior vínculo terapeuta-paciente, que parece ter ocorrido através da maior compreensão e do domínio do fisioterapeuta sobre os processos de recuperação e reabilitação desses indivíduos. Estes pacientes descreveram ter mais autonomia sobre seus tratamentos e, ao mesmo tempo, uma relação de proximidade com o fisioterapeuta. No tratamento individual, a relação terapeuta-paciente se estabeleceu de forma mais dependente. A relação de confiança e compromisso também ocorreu nessa relação, mas os pacientes associaram uma maior transferência da melhora clínica ao profissional. Os discursos dos pacientes obtidos a partir das entrevistas apontaram que tanto o tratamento cinesioterapêutico individual, quanto aquele associado às dinâmicas de grupo não foram suficientes para melhorar a capacidade de retorno ao trabalho, mas o desejo e a mobilização para o retorno ao trabalho esteve presente nos discursos dos participantes em ambas intervenções. Um fator limitante para o retorno ao trabalho identificado nas entrevistas, além dos aspectos sociais decorrentes do adoecimento, foi a presença ou a recordação da dor e também o fato de que voltar ao trabalho significava reviver toda a situação que ocasionou o adoecimento: ” Quando eu lembro do trabalho. acabo me lembrando da dor” (I, p.7). “Não tinha esperança em voltar a trabalhar, só pelo fato de todo dia conviver com a dor” (G, p.9). Os pacientes que passaram pelo processo grupal relataram que o retorno ao trabalho somente seria possível se houvesse modificações nas condições de trabalho, principalmente a diminuição do ritmo e a introdução de pausas na atividade de trabalho: “Na mesma, posso até continuar. Assim, tendo pausas e não sendo mais tão corrido. Em outro ritmo” (G, p.9). Já entre os pacientes da intervenção individual ocorreu uma associação do retorno ao trabalho somente à recuperação física: “Eu espero melhorar e arrumar um serviço. Poder ficar boa de tudo. Mas, trabalhar sem sentir dor” (I, p.6). ” Eu creio que na minha função mesmo eu não vou conseguir” (I, p.1). Discussão Os estudos clínicos envolvendo pacientes com LER/DORT comumente esbarram na dificuldade do número de participantes e da constituição de amostras homogêneas. No presente estudo, mesmo se utilizando de uma amostra de conveniência na tentativa de conseguir um número maior de participantes, foi observada uma pequena adesão à pesquisa. Este fato pode estar associado ao receio ou ao medo de participar de procedimentos talvez ainda desconhecidos por esta população. Outra explicação é que não é raro os pacientes com LER/DORT apresentarem restrições financeiras para o transporte urbano, dificultando a participação nos tratamentos. A dificuldade em constituir amostras homogêneas em pesquisas com LER/DORT pode estar associada à quantidade ampla de atividades de trabalho que apresentam os vários fatores causais para estes acometimentos, às múltiplas queixas dos pacientes, aos diversos diagnósticos clínicos e às diversas regiões acometidas. Apesar disso, os participantes desta pesquisa não apresentavam diferenças significantes em sua caracterização, mas é importante ressaltar que, devido ao número pequeno de participantes deste estudo, os resultados gerados são específicos para esta amostra. Neste estudo, foi observado que as intervenções (individual e grupal) não produziram efeitos diferentes e significativos, no estado funcional dos membros superiores, para as atividades de vida diária, segundo mensuração realizada através do questionário DASH, embora a percepção dos pacientes tenha sido contrária, identificando melhora da funcionalidade e ganhos indiretos nas atividades cotidianas, nas duas intervenções. Pransky et al. (1997) descreveram que, muitas vezes, a mensuração clínica da funcionalidade através de instrumentos não condiz com a avaliação das atividades realizadas em casa ou no trabalho pelos pacientes. O questionário DASH é um instrumento indicado para a percepção de mudanças na funcionalidade de membros superiores, mas talvez o período curto de tratamento tenha sido insuficiente para trazer benefícios quantificáveis por este instrumento. Outro aspecto relevante é que o questionário DASH aborda o grau de dificuldade para a execução das atividades. Por se tratar de pacientes crônicos, a dificuldade pode não ter se modificado, mas as estratégias para realização das atividades sim. Essas estratégias não foram mensuradas no questionário, apenas nas entrevistas. Essa constatação reforça a ideia apontada por Sluiter e Frings-Dresen (2008) de que os efeitos quantitativos de uma intervenção clínica podem não revelar o conjunto do impacto do tratamento nos pacientes com LER/DORT. É preciso conhecer os aspectos subjetivos e a percepção dos indivíduos do seu processo de recuperação e reabilitação para melhor avaliar os vários aspectos da eficácia dos procedimentos clínicos. Em um estudo que comparou os efeitos da fisioterapia individual e dos exercícios em grupo em trabalhadores com mialgia em ombros e cervical, foi verificado que, nos dois tipos de intervenção, houve uma melhora do quadro clínico. Porém, os sujeitos que receberam o tratamento em grupo estavam mais satisfeitos com seus, estados, de saúde e também mantiveram a melhora por mais tempo do que os pacientes da intervenção individual (VASSELJEN JR.; JOHANSEN; WESTGAARD, 1995). A análise qualitativa possibilitou identificar que as reflexões e as trocas de experiências sobre as implicações da dor crônica em diversos aspectos da vida dos pacientes com LER/DORT, ocorridas no processo grupal, trouxeram uma nova compreensão sobre o estado de saúde desses indivíduos. Essa maior compreensão permitiu uma reorganização de suas emoções e do convívio com o sofrimento e possibilitou a identificação de uma resposta mais favorável ao tratamento, mesmo não havendo uma resposta clínica de melhora funcional relevante. Os pacientes que passaram pela intervenção em grupo parecem estar mais motivados na busca da autonomia e mais estáveis emocionalmente do que os pacientes que se submeteram à intervenção individual. Essa diferença pode ser decorrente da ausência de trocas, que ocorreu na intervenção individual. Os participantes que passaram por esta intervenção refletiram sobre todos os temas referentes ao adoecimento, mas não escutaram as diversidades dos quadros clínicos, das condições de trabalho e das dificuldades vivenciadas pelos participantes do processo grupal. Siqueira e Queiroz (2001) relataram a experiência dos profissionais de um serviço de saúde do trabalhador do Município de São Paulo, na qual identificaram que os procedimentos terapêuticos individuais e isolados de fisioterapia, terapia ocupacional e psicologia não respaldavam todas as necessidades dos trabalhadores com LER/DORT. Dessa forma, reorganizaram o atendimento dessas pessoas através de uma abordagem mais integrada, visando aumentar as trocas de experiência que facilitassem tanto a recuperação e sua inclusão em um novo trabalho, quanto o retorno à mesma função. Essas autoras fizeram uso de dinâmicas grupais para favorecer uma intervenção mais integrada e obtiveram como resultados a diminuição da sintomatologia e das questões emocionais, a sensação de prazer durante os encontros, a recontextualização da capacidade laboral e um novo posicionamento como cidadãs dessas pessoas que passaram a entender que o problema vivenciado não era individual, e sim coletivo. Assim, compreende-se que essa abordagem possibilitou, além da recuperação física do trabalhador, maior compreensão social do problema, que extrapolou os efeitos da clínica tradicional e se estendeu a outros aspectos da vida dessas pessoas (SIQUEIRA; QUEIROZ, 2001). O processo de retorno ao trabalho e de permanência para os pacientes com LER/DORT é bastante complexo e um dos mais importantes aspectos da prevenção, do tratamento e da reabilitação de trabalhadores portadores desse tipo de lesão (GRAVINA; ROCHA, 2006; NIEUWENHUIJSEN et al., 2003; LANCMAN, 2001). Os resultados das duas intervenções em relação a essa questão foram muito superficiais. Enquanto a avaliação quantitativa demonstrou que as intervenções não produziram efeitos no aumento da funcionalidade para a atividade de trabalho, a avaliação qualitativa apontou que as dificuldades encontradas pelos pacientes para que esse retorno aconteça vão além dos sintomas físicos ou da funcionalidade. Feuerstein et al. (1993) demonstraram que um programa de reabilitação multidisciplinar de pacientes crônicos com LER/DORT auxilia no retorno ao trabalho, mas revelou que são necessárias também intervenções nas condições de trabalho e o acompanhamento dos trabalhadores nesse retorno para garantir uma volta efetiva e permanente. Gravina e Rocha (2006) publicaram um estudo sobre o processo de retorno ao trabalho dos bancários e observaram que, para readaptar o paciente com LER/DORT ao trabalho, é preciso um envolvimento efetivo das empresas e dos trabalhadores. Para Yeng et al. (2001), o retorno ao trabalho é dificultado pela desatualização das habilidades e dos conhecimentos adquiridos, antes do afastamento, pelos déficits funcionais e pelo medo real e/ou infundado de novos episódios de lesão. Estas informações foram sustentadas neste estudo, pois as limitações funcionais, especialmente para a atividade de trabalho, o medo de novos episódios de adoecimento e a incerteza de como seriam recebidos em seus locais de trabalho, no caso de alta, estiveram presentes nos discursos dos pacientes, após o tratamento, nas duas formas de intervenção. As autoras Gravina e Rocha (2006) discutem que a presença de dor e a dificuldade de consciência das limitações funcionais dificultam o retorno ao trabalho. Opsteegh et al. (2009), que investigaram os determinantes do retorno ao trabalho em pacientes com lesões em mãos, também concluíram que a dor foi um fator dificultador do retorno ao trabalho. No estudo de Takahashi e Canesqui (2003) sobre a avaliação da efetividade de um serviço de saúde na reabilitação de pacientes com LER/DORT, as autoras consideraram imprescindível para o retorno ao trabalho um atendimento terapêutico que resgate a autonomia funcional e o equilíbrio emocional. Um fato é que as falas dos pacientes com LER/DORT que participaram dessa pesquisa ressaltaram as reflexões sobre o trabalho enquanto centralizador social, que mantém o indivíduo no mundo, e como fonte de identidade psicossocial (NUNES; ANDRADE, 2007). Esses elementos demonstram que o trabalho em si e a sua importância global na vida das pessoas merece mais destaque, e um tempo maior de abordagem dentro das sessões, independentemente do tipo de intervenção (individual ou em grupo). Outro aspecto relevante e que pode ter limitado os efeitos das intervenções é o número de sessões previstas neste protocolo de tratamento. A escolha do número de sessões foi baseada na prática clínica realizada na maioria das clínicas de fisioterapia, que, por motivos de organização financeira com os planos de saúde, predefinem os tratamentos em 10 sessões. Os serviços públicos de fisioterapia em saúde do trabalhador, por sua vez, para solucionar a grande demanda de pacientes e permitir maior rotatividade, estipulam prazos e números de sessões definidas para a finalização do tratamento. Nos estudos citados por Konijnemberg et al. (2001), em uma revisão sistemática de tratamento conservador para LER/DORT, não havia um consenso sobre o estabelecimento do número de sessões para garantir a eficácia do tratamento e a recuperação dos pacientes. No presente estudo, a necessidade de continuidade do tratamento foi percebida pelos pacientes que se submeteram aos dois tipos de intervenções, mostrando que a quantidade de sessões deve ser maior do que a estipulada nesta pesquisa, tanto nas intervenções individuais, quanto nas grupais. Assim, o sucesso ou não do processo de reabilitação e da reinserção do trabalhador em seu posto de trabalho, ou em outro, após a recuperação ou o controle do quadro clínico, tem sido um enigma, havendo a necessidade de outros estudos que auxiliem no entendimento e no fortalecimento do processo de retorno ao trabalho de pacientes com LER/DORT. Conclusão O número pequeno de participantes e o curto tempo de acompanhamento dos tratamentos podem ter limitado os resultados sobre a funcionalidade e o retorno ao trabalho dos pacientes do estudo. Mas foi possível perceber que o tratamento cinesioterapêutico individual e o associado às dinâmicas de grupo permitiu uma abordagem mais global do processo de adoecimento, recuperação e reabilitação do paciente com LER/DORT, mesmo não sendo suficiente para garantir o retorno ao trabalho. Este estudo trouxe uma importante fundamentação para as ações dos fisioterapeutas que querem atuar em grupo, especialmente na área de saúde do trabalhador. Revelou que a possibilidade de reflexão criada nas duas intervenções, individual e grupal, foi indispensável para as modificações na percepção do quadro clínico e da funcionalidade dos pacientes com LER/DORT e que as estratégias de utilização das historietas clínicas podem ser incorporadas na prática clínica dos fisioterapeutas durante o atendimento desses pacientes como forma de enriquecer os tratamentos e de aumentar a relação terapeuta-paciente. Contato: Luciane Frizo Mendes Rua Ribeiro do Amaral, 585 – apto.106 CEP: 04268-000, São Paulo, SP E-mail : [email protected] Recebido: 30/06/2009 Revisado: 18/03/2010 Aprovado: 23/03/2010 * Artigo baseado em tese para obtenção de título de doutor de Luciane Frizo Mendes, intitulada A contribuição da fisioterapia em grupo na recuperação e reabilitação de pacientes com LER/DORT, defendida na Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, em 2008. * Artigo baseado em tese para obtenção de título de doutor de Luciane Frizo Mendes, intitulada A contribuição da fisioterapia em grupo na recuperação e reabilitação de pacientes com LER/DORT, defendida na Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, em 2008.
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Como o fisioterapeuta lida com a avaliação e o tratamento da LER/DORT?
ARTIGO CIENTÍFICO Um olhar sobre as LER/DORT no contexto clínico do fisioterapeuta Augusto VG; Sampaio RF; Tirado MGA; Mancini MC; Parreira VF Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil Correspondência para RESUMO OBJETIVO: Conhecer as representações do fisioterapeuta a respeito das Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) e analisar como essas representações interferem na prática clínica desses profissionais.
- MÉTODOS: O estudo foi realizado numa abordagem qualitativa, e os recursos metodológicos foram entrevista semi-estruturada e observação não-participante.
- A teoria das representações sociais e a epistemologia comparativa serviram como referenciais teóricos.
- Participaram do estudo 14 fisioterapeutas da cidade de Divinópolis, Minas Gerais.
RESULTADOS: a representação dos fisioterapeutas sobre LER/DORT e o doente foi elaborada coletivamente, com base na realidade cotidiana, e configurou-se entre os entrevistados um estilo de pensamento reducionista, com uma concepção mecanicista do organismo humano.
- CONCLUSÕES: não basta concentrar esforços na tentativa de restaurar o funcionamento normal do corpo se as demandas do paciente são desconsideradas.
- O conhecimento técnico-científico do fisioterapeuta deve ser conciliado com a expressão subjetiva do paciente na busca de estratégias de intervenção mais eficazes.
Palavras-chave: LER/DORT; representação social; epistemologia comparativa; fisioterapia; raciocínio clínico. Introdução No Brasil, a síndrome de origem ocupacional, composta de afecções que atingem os membros superiores, região escapular e pescoço, foi reconhecida pelo Ministério da Previdência Social como Lesões por Esforços Repetitivos (LER), por meio da Norma Técnica de Avaliação de Incapacidade (1991) 1,
- Em 1997, com a revisão dessa norma, foi introduzida a expressão Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT).
- A instrução normativa do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) 2 usa a expressão LER/DORT para estabelecer o conceito da síndrome e declara que elas não são fruto exclusivo de movimentos repetitivos, mas podem ocorrer pela permanência de segmentos do corpo em determinadas posições, por tempo prolongado.
A necessidade de concentração e atenção do trabalhador para realizar suas atividades e a pressão imposta pela organização do trabalho são fatores que interferem significativamente para a ocorrência da síndrome 2, Na década de 1990, houve um crescimento acelerado dos casos no Brasil; o que antes parecia uma síndrome isolada, causada pela susceptibilidade do trabalhador exposto a riscos, transformou-se numa epidemia.
Esse crescimento pode ser atribuído ao processo de reestruturação produtiva, que trouxe a precarização do trabalho, e ao reconhecimento social da LER, que se deu pela criação da Norma Técnica em 1991 3, É importante destacar que as LER/DORT têm origem multifatorial e que a imprecisão diagnóstica dificulta o processo de associação entre o adoecimento e o histórico profissional do trabalhador que apresenta os sintomas 4,
Para aumentar a complexidade dos casos, as crenças e o próprio comportamento do doente exercem influências marcantes sobre a dor, a incapacidade e o resultado do tratamento. Diante desse quadro, alguns profissionais chegam a levantar a hipótese de ganho secundário ou comportamento exagerado do paciente diante da doença 5,
Entretanto, a possibilidade de ganho secundário é descartada por vários autores, uma vez que indivíduos que possuem diagnóstico de LER/DORT enfrentam inúmeros preconceitos e dificuldades para reinserção profissional e social 6,7, No Brasil, existem alguns centros de atendimento integral ao trabalhador adoecido que adotam uma abordagem interdisciplinar e atuam sobre a esfera corporal, psicossocial e afetiva 7,
No entanto, muitos trabalhadores não têm acesso a esses centros e são tratados pelo sistema de saúde conveniado, sem essa abordagem interdisciplinar. Assim, o trabalhador que apresenta sintomas de formigamento, dor e limitação da capacidade laboral, freqüentemente procura um médico que, após diagnóstico e tratamento, o encaminha para a fisioterapia.
O fisioterapeuta, ao atender o paciente com LER/DORT, vive um paradoxo entre a subjetividade inerente à síndrome e a objetividade do tratamento. Considerando que as representações dos fisioterapeutas a respeito da doença e do doente podem influenciar nas formas de encaminhar a assistência fisioterapêutica, faz-se necessário conhecer e investigar uma possível associação dessas representações com a prática clínica.
Esta questão de pesquisa surgiu de observações realizadas no cotidiano de trabalho, em que profissionais da saúde e, mais especificamente, fisioterapeutas rotineiramente fazem afirmações do tipo: “pacientes com LER/DORT não apresentam prognóstico favorável e sempre retornam para tratamento”.
- A origem e a fundamentação desse tipo de raciocínio clínico ainda não estão claras e pode-se questionar se isso não seria resultado de uma cultura criada e reforçada pelos profissionais em virtude de suas representações sobre os pacientes com LER/DORT e da interação com os colegas.
- Na busca de um referencial teórico que ajudasse a compreender as questões expostas acima, optou-se pela teoria das representações sociais 8 e pela epistemologia comparativa 9,
As representações sociais são modalidades de conhecimento particular que têm por função a elaboração de comportamentos e a comunicação de indivíduos. Tal conhecimento provém de um conteúdo simbólico e prático, faz parte da vida cotidiana das pessoas e funciona no sentido de interpretar, pensar e agir sobre a realidade 8,
Na epistemologia comparativa de Ludwik Fleck, destacam-se dois conceitos: o coletivo de pensamento e o estilo de pensamento. O primeiro é definido como “uma comunidade de pessoas intercambiando idéias ou mantendo interação intelectual”; e o segundo, como “uma construção definida do pensamento, ou disponibilidades intelectuais para uma forma particular de ver e agir ao invés de qualquer outra” 9,10,
A escolha dessas teorias fundamenta-se no fato de que os depoimentos se apresentaram carregados de expressões relativas ao senso comum, às crenças e ao comportamento dos fisioterapeutas, inter-relacionados com o contexto social. Procedimentos metodológicos O presente estudo foi desenvolvido numa abordagem qualitativa, buscando conhecer aspectos particulares e trabalhar com o universo dos significados, dos valores e das atitudes, que compreendem o espaço mais profundo das relações e fenômenos 11,
- Um dos recursos utilizados foi a entrevista semi-estruturada.
- Foram selecionados, por conveniência, fisioterapeutas que atendem pacientes com LER/DORT no município de Divinópolis, Minas Gerais.
- Para a localização desses profissionais, foi realizada uma busca por clínicas de fisioterapia na lista telefônica.
No primeiro contato, foram explicitados os objetivos da pesquisa, e os profissionais foram questionados sobre a área de atuação e o ano de conclusão da graduação. Foram encontrados 28 fisioterapeutas que atuam na área de fisioterapia aplicada à ortopedia, com um tempo de graduação que varia de um a 32 anos.
- Durante a seleção dos participantes, adotou-se o critério de evitar a escolha de dois profissionais com o mesmo tempo de atuação, com o objetivo de obter depoimentos de profissionais com experiências práticas diferenciadas.
- Após um segundo contato, as entrevistas foram marcadas e realizadas no local de trabalho dos fisioterapeutas participantes, em dia e horário escolhidos por eles.
Foram feitas 14 entrevistas, e o critério utilizado para interrupção foi o momento em que o surgimento de novos dados se tornou cada vez mais raro, conformando a saturação 11, As entrevistas foram gravadas, e a duração variou de 20 minutos a uma hora.
- Ao término da pesquisa, foram obtidos 406 minutos de gravação, que geraram 118 páginas transcritas.
- Após a transcrição, os depoimentos foram encaminhados aos participantes para leitura e confirmação das informações.
- Padronizou-se a abertura das entrevistas: inicialmente, os fisioterapeutas foram informados sobre o objetivo da pesquisa e, em seguida, leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob o parecer n.ºETIC 0012/06.
Posteriormente, conduziu-se a entrevista com base em temas definidos previamente, como a causa das LER/DORT, os fatores que interferem no tratamento, o foco da avaliação e os critérios empregados para a alta. Um segundo recurso utilizado para a coleta de dados foi a observação não-participante, por meio de sorteio.
A observação foi realizada durante o tratamento do paciente com LER/DORT, sendo sistematizada com base nos dados das entrevistas. Os tópicos a serem observados incluíram a interação do fisioterapeuta com o paciente, os procedimentos realizados na sessão e as orientações feitas ao paciente no final da sessão.
No total, foram feitas quatro observações. Os pacientes receberam informações sobre a pesquisa e, após concordarem em participar do processo de observação, também assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os dados da observação foram registrados no roteiro e analisados posteriormente, de forma a complementar as entrevistas.
- A análise das entrevistas foi feita com base em unidades temáticas ou temas, que podem ser entendidos como unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado.
- Foram seguidos os critérios sugeridos por Bardin 12, em três etapas, para a organização da análise: a) a pré-análise: nesta fase, o material bruto foi submetido à organização em unidades temáticas, retomando os objetivos iniciais da pesquisa; b) a exploração do material: o material selecionado na primeira leitura foi reorganizado em unidades temáticas orientadas pelas categorias; c) tratamento dos resultados obtidos e interpretação: nesta etapa, buscou-se ultrapassar o nível de descrição das falas e de observações para chegar à interpretação das informações.
A interpretação é uma seqüência da análise e sua meta é a busca de sentidos das falas e das ações para alcançar uma compreensão além dos limites do que é descrito 12, A teoria das representações sociais e a epistemologia comparativa serviram como suporte durante o processo de interpretação.
Resultados e discussão Os resultados são apresentados em dois blocos: primeiro, uma breve descrição dos participantes e, em seguida, os depoimentos, que foram divididos em unidades temáticas ou temas. Com base em Patton 13, considerou-se que nenhum método simples resolve adequadamente o problema de pesquisa e que cada método revela diferentes aspectos da realidade empírica.
Assim, buscou-se triangular as unidades temáticas resultantes das análises das entrevistas, com a literatura existente e os dados das observações. Os participantes Foram entrevistados 11 mulheres e três homens; os nomes foram substituídos por pseudônimos para preservar a identidade.
- Nenhum dos participantes graduou-se na década de 1980, e a maioria dos entrevistados possuía título de especialista.
- Todos os fisioterapeutas trabalhavam com outros, em um mesmo local, o que pode ser um fator interessante ao considerar-se o que foi relatado por Richardison 14,
- Segundo a autora, as ações dos fisioterapeutas são fortemente influenciadas pelo ambiente de trabalho e pela percepção dos colegas mais velhos.
Existe uma cultura no local de trabalho que se desenvolve em um contínuo processo de influência e interação profissional 14, Vários entrevistados deram exemplos de situações em que idéias e estratégias de tratamento são compartilhadas, como podemos observar nesse depoimento: “a influência dos colegas de profissão sabe lá na universidade a gente tem outros colegas.
Então, lá a gente acaba trocando idéias a gente troca bastante informação” (Dionísia). Temas recorrentes nas entrevistas e observações O processo de análise das entrevistas e das observações gerou três grandes temas que foram denominados de “movimentos”. No primeiro movimento, discute-se como o fisioterapeuta lida com a avaliação, o tratamento e a alta do paciente com LER/DORT.
O segundo movimento aborda o estigma da LER/DORT na perspectiva dos fisioterapeutas, destacando-se as representações, as crenças e as atitudes em relação à doença e ao doente. O terceiro movimento diz respeito ao conflito existente entre o saber do fisioterapeuta e como eles se sentem durante o tratamento desses pacientes.
Primeiro movimento: avaliação, tratamento e alta Nas disposições preliminares da resolução n.º 8 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito), instituída em 20 de fevereiro de 1978, a avaliação, a reavaliação e a determinação das condições de alta do cliente submetido à fisioterapia e/ou terapia ocupacional constituem atos privativos do fisioterapeuta e do terapeuta ocupacional, respectivamente 15,
Entretanto, no que diz respeito ao atendimento do paciente com LER/DORT, são evidentes as dificuldades que o fisioterapeuta encontra para executar essas atividades. A avaliação e a alta são freqüentemente pautadas no modelo biomédico e centradas na estrutura e função do corpo, o que fica evidente neste depoimento: “eu vejo mais se ele está com limitação, se tem alguma fraqueza muscular, se a dor está irradiando, se tem alguma alteração de sensibilidade” (Dionísia).
- Para Bonet 16, o conjunto de representações e práticas da cultura ocidental moderna, nos processos de saúde-doença, priorizou a ordem biológica e possibilitou o que hoje se conhece como “modelo biomédico”.
- Tal modelo não deixa espaço para as dimensões sociais, psicológicas e comportamentais que teriam influência na doença.
Tem, portanto, suas bases num reducionismo biologista, no qual as doenças são caracterizadas por um agente etiológico reconhecido, um grupo de sinais e sintomas identificáveis, e alterações anatômicas consistentes. Essa preocupação pela objetivação da doença, que possibilitou à biomedicina constituir-se conquanto saber científico, ocasionou o seu distanciamento dos interesses do doente 16,
- Vejamos: ” aí a pessoa insiste em me falar do trabalho, mas eu insisto em olhar a parte fora do trabalho” (Vanessa).
- Na visão dos fisioterapeutas entrevistados, a própria etiologia das LER/DORT está reduzida a três tipos de abordagem: biológica, psicológica e sociológica.
- Essas abordagens contrariam os achados da literatura especializada em saúde do trabalhador, que evidencia a ligação do trabalho com as LER/DORT e declara que elas só podem ser compreendidas a partir de criteriosa avaliação da atividade laboral 17,
Entre os fisioterapeutas mais voltados para a abordagem biológica, foram considerados fatores etiológicos das LER/DORT os aspectos biomecânicos e físicos. Eis o que diz Natália: “movimento repetitivo, carregar peso excessivo, postura inadequada”. Os fisioterapeutas que priorizaram a abordagem psicológica apontaram as falhas de comportamento ou a susceptibilidade dos próprios trabalhadores como possíveis fatores desencadeadores do processo de adoecimento.
Tal concepção descaracteriza o vínculo com o trabalho, apresentando o trabalhador doente como naturalmente predisposto. “É o tipo de atividade, a repetição, a postura inadequada, máquinas inadequadas, sabe? Mas começa, começa primeiro com essa tensão, essa angústia de ter que dar conta daquilo, sabe? O medo de perder o emprego e o caráter depressivo do paciente” (Marcelo).
O estudo de Sato et al.18 mostrou evidências contrárias, em que os traumas psicológicos, a culpa e a auto-estima diminuída são considerados conseqüências da doença, e não pilares de uma personalidade naturalmente predisposta a adoecer. Alguns dos entrevistados, mesmo reconhecendo as pressões oriundas da organização do trabalho, pareciam ainda desacreditar no sofrimento dos trabalhadores diante das limitações impostas pelas LER/DORT.
- Os fisioterapeutas que adotaram essa atitude atribuíram ao contexto socioeconômico e cultural um papel preponderante na gênese da doença, acreditando que as LER/DORT são simulações, caracterizadas por artifícios utilizados pelos trabalhadores, tendo em vista benefícios relacionados a salário.
- Vejamos alguns exemplos: “tenho casos de pessoas que realmente conseguiram até mesmo aposentar e, particularmente, eu vejo na intimidade que é uma vida relativamente normal.
Pessoas que jogam tênis, peteca e estão afastadas” (Gustavo). E mais: “a pessoa prefere se acomodar, ter uma aposentadoria garantida pro resto da vida e saber que não precisa mais trabalhar e que pelo menos está garantindo o salariozinho dela lá todo mês” (Bruna).
Pode-se dizer que é difícil visualizar os ganhos do trabalhador com tal simulação, uma vez que, depois de confirmado o diagnóstico de LER/DORT, ele enfrenta diversos preconceitos e dificuldades de reinserção social e profissional. Incapacitados por essas lesões e pertencendo à faixa etária mais produtiva, os trabalhadores perdem o referencial de vida representado pela sociabilidade do trabalho ao aposentarem-se precocemente 19,
Vários autores defendem que a determinação das LER/DORT perpassa pela estrutura social, relacionando-se, sobretudo, com as mudanças na organização do trabalho e com as inovações tecnológicas da reestruturação produtiva 5, 6,18, A falta de sinais objetivos que caracterizem a síndrome favorece a sustentação de abordagens parciais como as descritas acima.
A invisibilidade da síndrome, a evolução clínica imprevisível e a subjetividade da dor fazem com que os profissionais, muitas vezes, mostrem-se perdidos diante do quadro: “o quadro de dor pra gente é muito difícil, é muito subjetivo você questionar a dor do paciente, né? Então a gente vê que já teve alguma melhora, de repente ele chega com muita dor, e aí você fica meio por entender, né?” (Carla).
Alguns entrevistados também demonstraram despreparo para reconhecer e distinguir LER/DORT de outras patologias musculoesqueléticas. Em alguns casos, consideram qualquer processo patológico de membro superior e cintura escapular como LER/DORT, independentemente do nexo causal com o trabalho, como pôde ser registrado na fase de observação das sessões de tratamento.
- Por exemplo, um dos pacientes agendados pelo fisioterapeuta para o processo de observação era idoso, aposentado e apresentava um quadro de degeneração articular cervical crônica.
- Essa dificuldade na definição dos casos de LER/DORT também pôde ser percebida nas entrevistas.
- A seguir, um depoimento de Dionísia: “todo mundo já escutou esse termo LER e DORT e todo mundo fala que isso só acontece com a profissão, né? E a gente sabe que isso também pode ser dentro de casa, onde for.” As dificuldades encontradas no processo de reconhecimento da síndrome e na avaliação dos pacientes interferem drasticamente na definição de um plano de tratamento adequado e no estabelecimento de critérios para alta, principalmente nos casos crônicos, como podemos notar nesta declaração: “você pode, por exemplo, indicar uma crioterapia para ele e, daqui a três dias, você tirar a crio, porque a dor dele aumentou e ele não tolera o gelo.
aí você passa para o quente ou para o banho de contraste” (Janaína). O momento da alta é particularmente difícil, seja devido às restrições do próprio sistema de saúde conveniado, seja por insegurança do profissional. A seguir dois depoimentos: “a alta de pacientes desses casos é a coisa que mais incomoda a gente, então por isso que eu acho que trabalhar em equipe é muito bom.
- Eu acho que a equipe dá um suporte muito grande uma segurança pra quem tá dando esta alta” (Janaína).
- Muitas vezes a gente nem consegue dar alta pro paciente, porque, quando a gente pede pra eles voltarem, eles não voltam, né? eles fazem dez sessões e param, a fisioterapia é por convênio e eles param por questões financeiras” (Dionísia).
Diante do exposto, surgem diferentes questões, tais como: a adoção do modelo biomédico é suficiente para atender e entender a demanda de pacientes crônicos? Por que o foco do tratamento é o alívio dos sintomas, e não a disfunção do movimento ou a eliminação dos fatores causais? A instrução normativa do INSS de 2003 esclarece que o tratamento convencional realizado para a dor aguda não é efetivo em condições crônicas.
- Além disso, o profissional pouco habituado no manejo dessas condições tem dificuldades para aceitar o fato de que alguns pacientes, mesmo afastados do trabalho e recebendo tratamento, não apresentem melhoras 2,
- A compreensão da gênese das LER/DORT parece fundamental para abordagens mais eficazes e resolutivas.
Segundo movimento: o estigma das LER/DORT Baszanger 20, em seu trabalho sobre experiência e tratamento da dor, ressalta que, nos casos de dor crônica, a experiência do paciente é considerada o principal alvo da terapia, isto é, o paciente constrói com o profissional de saúde, de acordo com a sua experiência particular, o tratamento adequado para ele.
Com essa abordagem, objetiva-se que o paciente aprenda a tratar e a lidar com a sua dor. No entanto, isso parece impossível se a dor for considerada como uma manifestação subjetiva do doente e conseqüentemente não pode ser valorizada. Ou ainda, se existir a crença, por parte dos profissionais, na capacidade de simulação dos pacientes para obtenção de ganhos secundários.
Como pode ser visto nesta declaração: “então a pessoa aproveita disso para tirar uma licença, ficar um tempo fora, eu acho que às vezes o negócio é meio sugestionado” (Bruna). Essas proposições são muito criticadas, por excluir a possibilidade de o trabalho constituir-se como um elemento do processo de adoecimento.
- A radical separação entre o trabalho e o corpo que adoece acaba encontrando uma ancoragem na idéia de predisposição 21,
- Viana 22 relata que a adaptação a uma condição crônica pode ser afetada por fatores psicológicos e que o modo como o paciente enfrenta os problemas advindos do adoecimento deve ser considerado, uma vez que esse enfrentamento interfere no seu nível de bem-estar.
Para a autora, enfrentamento deve ser entendido como um processo que sofre modificações ao longo do tempo de acordo com as exigências do contexto. A busca de suporte social também é considerada uma estratégia fundamental no enfrentamento da doença, e, a falta desse suporte pode contribuir para uma pobre reabilitação do paciente com dor crônica.
- A influência desses aspectos psicossociais foi bem observada por alguns dos fisioterapeutas deste estudo, que recordaram como a atitude dos próprios profissionais de saúde ou mesmo a falta de apoio familiar pode influenciar negativamente na recuperação dos pacientes.
- Marcelo, por exemplo, declara: “existem muitos pacientes com problemas familiares terríveis.
e isso põe o paciente numa situação miserável. O que tava difícil, piora. Se não houver um isolamento de quadros muito dramáticos da família é difícil esse paciente melhorar”. Terceiro movimento: conflito entre saber e sentir Um aspecto marcante durante as entrevistas foi a hesitação dos entrevistados ao serem questionados sobre o modelo teórico adotado no tratamento dos pacientes com LER/DORT.
- Em alguns casos, foi necessário repetir a pergunta várias vezes, e, mesmo assim, não foi possível obter uma resposta coerente.
- Optou-se, então, por não insistir na pergunta para evitar constrangimento e pressão excessiva.
- Alguns entrevistados parecem ter confundido modelo teórico com teorias que fundamentam a utilização de recursos fisioterapêuticos ou com a adoção de protocolos de tratamento.
Vejamos: “se ele chega com um quadro de dor a gente procura amenizar o que está acontecendo eu não vou pegar um livro pra ver o que tá falando porque de repente não vai funcionar para aquele paciente” (Carla). Para Wolff et al.23, as dificuldades encontradas no tratamento de pacientes com dores crônicas são compostas não só por falhas no conhecimento, mas também pelo comportamento dos profissionais diante da dor crônica.
- Os fisioterapeutas deste estudo foram questionados sobre a participação em cursos, congressos ou palestras sobre LER/DORT e em relação aos fatores que podem interferir no tratamento dos pacientes com dor crônica.
- A maioria declarou ter participado de cursos ou congresso sobre os temas somente na época de faculdade e expuseram conceitos antigos quanto às diferenças existentes entre pacientes crônicos e agudos.
A seguir, o que duas fisioterapeutas disseram: “o paciente agudo é mais fácil de tratar o crônico fica, né? Muitas vezes não fazem o que a gente pede” (Dionísia). “Não tem nenhuma diferença, para tratar, não” (Natália). A evolução lenta dos pacientes foi atribuída à falta de cuidado ou de adesão do paciente ao tratamento proposto.
Essa crença pode gerar uma acomodação do profissional diante da complexidade das dores crônicas e da definição do tratamento. Ainda com relação às formas de atualização do conhecimento, alguns fisioterapeutas relataram buscar informações sobre LER/DORT na internet, mas não revelaram o tipo de site acessado ou a qualidade das informações encontradas.
Esses pacientes tornam-se um desafio, porque colocam o fisioterapeuta diante de uma lacuna no seu saber. Esse não-saber, essa incerteza de um desfecho satisfatório, gera sentimentos de frustração, desgaste, desinteresse e até mesmo pânico. Eis alguns depoimentos: “ah! Eu vou ser sincera, eu tenho meio preguiça.
- É que eu acho que é um paciente mais difícil de ter uma melhora” (Bruna).
- Péssima, detesto.
- Detesto tratar todas as ‘ites’, tenho pânico.
- Principalmente as relacionadas com o trabalho.
- Destas que a pessoa chega e fala: eu tenho LER.
- Eu acho que raramente a gente tem resultado” (Gabriela).
- Quase todos os entrevistados demonstraram sentimentos que representam a impotência do profissional no atendimento dos pacientes com LER/DORT.
Tal sentimento pode ser explicado em parte pela visão reducionista do modelo biomédico adotado, que dificulta uma terapêutica eficaz nesses casos. Há que se reconhecer que as LER/DORT apresentam uma etiologia complexa que envolvem elementos biológicos, psíquicos e sociais e que a ineficácia dos tratamentos pode ser ainda maior na presença de dor crônica.
- A dor crônica não apresenta causa mensurável e amplia a distância entre o conhecimento objetivo do fisioterapeuta e a experiência subjetiva do paciente.
- A distância entre esses dois pólos ficou muito clara quando se usou a triangulação das entrevistas com as observações.
- Em alguns momentos da entrevista, os fisioterapeutas apontaram os seguintes fatores como fundamentais para melhor qualidade do tratamento e prevenção das LER/DORT: ser capaz de ouvir os pacientes; traçar uma conduta clínica com base nas informações obtidas nas avaliações; orientar o paciente quanto ao posicionamento e à postura adequada no trabalho, bem como sobre a prática de exercícios e alongamentos.
Entretanto, durante a observação das sessões de tratamento, esses fatores não foram encontrados. Enquanto os fisioterapeutas aplicavam os recursos terapêuticos, os pacientes permaneciam lendo revistas ou livros. Raramente havia diálogo entre o profissional e o paciente.
Durante um atendimento, a paciente queixou-se de que a sua dor havia migrado do ombro para o cotovelo, e o fisioterapeuta, imediatamente, mudou o local de aplicação do recurso terapêutico, como se o aparelho “corresse” atrás da dor. Os pacientes não receberam orientações com relação a cuidados posturais durante as sessões observadas, e somente um paciente realizou exercícios de alongamento, destacado como importante intervenção na prevenção dos sintomas das LER/DORT.
No estudo de Daykin e Richardson 24, os fisioterapeutas classificaram os pacientes com dor lombar crônica em “pacientes bons” e “pacientes difíceis”. Os pacientes bons eram aqueles que apresentavam um quadro clínico bem definido, que estavam motivados com o tratamento e que ouviam as recomendações dos fisioterapeutas.
Já os pacientes difíceis eram aqueles mais passivos, que não participavam do tratamento e que consultavam vários profissionais. Esse tipo de classificação dos pacientes também apareceu nas entrevistas deste estudo: “a pessoa que quer melhorar é mais interessada em tudo. Você fala assim: faz isso em casa, esse alongamento, coloca gelo em casa, ela coloca.
o paciente que não está querendo ele não tem este tipo de preocupação, sabe?” (Gabriela). Com relação aos procedimentos fundamentais na prevenção dos pacientes com LER/DORT, alguns entrevistados citaram a análise ergonômica e a ginástica laboral, ainda que ergonomia tenha sido simplificada à adequação de mobiliários e ambientes físicos.
Vejamos: “o trabalho intenso dentro das empresas mostrando a importância da ginástica laboral para a prevenção a atividade física é fundamental, boa postura e alongamentos diários” (Dionísia). E ainda: “se eu pudesse, eu iria a todas as empresas e falava do jeito que tinha de ser a mesa, o computador, a escala de trabalho, implantar aquela ginástica laboral com eles pra poder prevenir os quadros de LER/DORT” (Carla).
A ergonomia busca uma análise dos processos de reestruturação produtiva no que se refere à caracterização da atividade e à inadequação dos postos de trabalho. A caracterização da atividade é um elemento fundamental para atingir um funcionamento estável em quantidade e qualidade.
- Portanto, a atividade deve ser concebida considerando a diversidade da população de trabalhadores e a variabilidade inerente a ela.
- Muito além da simples adaptação física dos ambientes de trabalho, é necessário conhecer e integrar as variáveis do indivíduo às exigências e a organização do trabalho.
- Somente integrando tais variáveis, pode-se facilitar a qualidade de vida no trabalho e favorecer a produção 25,26,
Quanto ao efeito da ginástica laboral na prevenção das LER/DORT, a literatura ainda é controversa. Embora tenha sido considerada importante na prevenção de lesões osteomusculares relacionadas ao desgaste e ao estresse no trabalho 27, alguns autores defendem que a ginástica laboral, quando adotada de forma isolada, não é suficiente para prevenir LER/DORT e pode distorcer a visão sistêmica necessária para abordar esse complexo fenômeno 27, 28,
Considerações finais Neste estudo, observou-se que, ao serem caracterizadas por sintomas subjetivos como dor e parestesias e pela ausência de sinais clínicos objetivos, as LER/DORT configuraram-se como uma síndrome complexa para os fisioterapeutas entrevistados, sendo possível detectar um estilo de pensamento reducionista em relação a elas.
Esse estilo de pensamento revela que os entrevistados percebem o paciente de forma fragmentada, com uma concepção mecanicista do organismo humano. Também foi observado que as representações sociais dos fisioterapeutas entrevistados sobre as LER/DORT e sobre o doente foram elaboradas coletivamente com base na realidade cotidiana do atendimento clínico.
Como referencial teórico para a prática clínica, destacou-se a adoção do modelo biomédico favorecendo a visão de que o paciente é apenas o portador da doença. A falta de vínculo entre a doença e o doente provoca uma desconfiança no sofrimento do paciente e reforça as intervenções tecnicistas. O foco do tratamento passa a ser a doença, e a distância entre o profissional e o doente torna-se cada vez maior.
Os entrevistados que tentam ultrapassar o limite das concepções mecanicistas acabam por psicologizar o sofrimento dos indivíduos. Independentemente do modelo teórico adotado pelo profissional, é urgente que ele compreenda o processo de saúde de forma mais ampla e aceite que o corpo biológico é criado e desenvolvido dentro de um ambiente cultural e social específico.
Assim, a experiência, o sentimento e a história de cada indivíduo são fatores que devem ser reconhecidos no desenvolvimento das estratégias de intervenção. O conhecimento técnico-científico e objetivo do fisioterapeuta deve ser conciliado com a expressão subjetiva do paciente. Desta forma, não basta concentrar esforços na tentativa de reestruturar o funcionamento normal do corpo se as demandas do paciente são desconsideradas.
Também não basta procurar a prevenção das enfermidades pela normalização de condutas se a participação ativa do indivíduo for desprezada. Os entrevistados demonstraram dificuldades para reconhecer e lidar com os aspectos subjetivos das LER/DORT. Tal conduta parece afetar negativamente a resolutividade dos tratamentos.
Assim, o fracasso de algumas intervenções reforça o pressuposto clínico de que os pacientes com LER/DORT são difíceis, que não melhoram ou que sempre retornam ao tratamento. Vale ressaltar que o reconhecimento dos aspectos subjetivos, os quais raramente coincidem com os aspectos objetivos da doença, não implica desconsiderar as alterações biológicas que possam estar presentes.
Tais alterações devem ser tratadas com o objetivo de ampliar as margens de segurança e tolerância do indivíduo aos riscos impostos à saúde. Espera-se contribuir para a adoção de um modelo de cuidado em fisioterapia, que tenha como foco o sujeito em sua singularidade, com abertura para a escuta e o diálogo, para que o saber popular e o saber técnico possam ser decodificados e reconstruídos no encontro clínico.
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É ler uma doença ou enfermidade?
Ler/Dort – Sociedade Brasileira de Reumatologia Baixe o material sobre LER / DORT (A4) em formato PDF Não, LER não corresponde a uma doença ou enfermidade. LER é a sigla para “Lesões por Esforços Repetitivos” e representa um grupo de afecções do sistema musculoesquelético. São diversas afecções que apresentam manifestações clínicas distintas e que variam em intensidade.
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O que é ler e Dort?
LER e DORT são as doenças que mais acometem os trabalhadores, aponta estudo Levantamento do Ministério da Saúde mostra que, em 10 anos, as duas doenças representam 67.599 casos entre os trabalhadores do país. Índice aumentou 184% no mesmo período As Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) são as doenças que mais afetam os trabalhadores brasileiros. A constatação é do estudo Saúde Brasil 2018, do Ministério da Saúde. Utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o levantamento aponta que, entre os anos de 2007 e 2016, 67.599 casos de LER/Dort foram notificados à pasta.
Neste período, o total de registros cresceu 184%, passando de 3.212 casos, em 2007, para 9.122 em 2016. Tanto o volume quanto o aumento nos casos nesse período sinalizam alerta em relação à saúde dos trabalhadores. Os dados, que constam no capítulo ‘Panorama de Doenças Crônicas Relacionadas ao Trabalho no Brasil’, indicam aumento na exposição de trabalhadores a fatores de risco, que podem ocasionar incapacidade funcional.
O estudo apontou, também, que esses problemas foram mais recorrentes em trabalhadores do sexo feminino (51,7%), entre 40 e 49 anos (33,6%), e em indivíduos com ensino médio completo (32,7%). A região que registrou o maior número de casos foi o Sudeste, com 58,4% do total de notificações do país no período.
- Em 2016, os estados que apresentaram os maiores coeficientes de incidência foram Mato Grosso do Sul, São Paulo e Amazonas.
- Já quando falamos nos setores ocupacionais, a ocorrência de LER e DORT foi maior nos profissionais que atuam nos setores da indústria, comércio, alimentação, transporte e serviços domésticos/limpeza.
Nas profissões; os faxineiros, operadores de máquinas fixas, os alimentadores de linhas de produção e os cozinheiros foram os mais atingidos com algum desses problemas de saúde no trabalho. A LER e o DORT são danos decorrentes da utilização excessiva do sistema que movimenta o esqueleto humano e da falta de tempo para recuperação.
Caracterizam-se pela ocorrência de vários sintomas, de aparecimento quase sempre em estágio avançado, que ocorrem geralmente nos membros superiores, tais como dor, sensação de peso e fadiga. Algumas das principais, que acometem os trabalhadores, são as lesões no ombro e as inflamações em articulações e nos tecidos que cobrem os tendões.
Essas doenças são relacionadas ao trabalho e podem prejudicar a produtividade laboral, a participação na força de trabalho e o comprometimento financeiro e da posição alcançada pelo trabalhador. Além disso, elas são responsáveis pela maior parte dos afastamentos do trabalho e representam custos com pagamentos de indenizações, tratamentos e processos de reintegração à ocupação.
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Como o fisioterapeuta lida com a avaliação e o tratamento da LER/DORT?
ARTIGO CIENTÍFICO Um olhar sobre as LER/DORT no contexto clínico do fisioterapeuta Augusto VG; Sampaio RF; Tirado MGA; Mancini MC; Parreira VF Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil Correspondência para RESUMO OBJETIVO: Conhecer as representações do fisioterapeuta a respeito das Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) e analisar como essas representações interferem na prática clínica desses profissionais.
MÉTODOS: O estudo foi realizado numa abordagem qualitativa, e os recursos metodológicos foram entrevista semi-estruturada e observação não-participante. A teoria das representações sociais e a epistemologia comparativa serviram como referenciais teóricos. Participaram do estudo 14 fisioterapeutas da cidade de Divinópolis, Minas Gerais.
RESULTADOS: a representação dos fisioterapeutas sobre LER/DORT e o doente foi elaborada coletivamente, com base na realidade cotidiana, e configurou-se entre os entrevistados um estilo de pensamento reducionista, com uma concepção mecanicista do organismo humano.
CONCLUSÕES: não basta concentrar esforços na tentativa de restaurar o funcionamento normal do corpo se as demandas do paciente são desconsideradas. O conhecimento técnico-científico do fisioterapeuta deve ser conciliado com a expressão subjetiva do paciente na busca de estratégias de intervenção mais eficazes.
Palavras-chave: LER/DORT; representação social; epistemologia comparativa; fisioterapia; raciocínio clínico. Introdução No Brasil, a síndrome de origem ocupacional, composta de afecções que atingem os membros superiores, região escapular e pescoço, foi reconhecida pelo Ministério da Previdência Social como Lesões por Esforços Repetitivos (LER), por meio da Norma Técnica de Avaliação de Incapacidade (1991) 1,
- Em 1997, com a revisão dessa norma, foi introduzida a expressão Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT).
- A instrução normativa do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) 2 usa a expressão LER/DORT para estabelecer o conceito da síndrome e declara que elas não são fruto exclusivo de movimentos repetitivos, mas podem ocorrer pela permanência de segmentos do corpo em determinadas posições, por tempo prolongado.
A necessidade de concentração e atenção do trabalhador para realizar suas atividades e a pressão imposta pela organização do trabalho são fatores que interferem significativamente para a ocorrência da síndrome 2, Na década de 1990, houve um crescimento acelerado dos casos no Brasil; o que antes parecia uma síndrome isolada, causada pela susceptibilidade do trabalhador exposto a riscos, transformou-se numa epidemia.
- Esse crescimento pode ser atribuído ao processo de reestruturação produtiva, que trouxe a precarização do trabalho, e ao reconhecimento social da LER, que se deu pela criação da Norma Técnica em 1991 3,
- É importante destacar que as LER/DORT têm origem multifatorial e que a imprecisão diagnóstica dificulta o processo de associação entre o adoecimento e o histórico profissional do trabalhador que apresenta os sintomas 4,
Para aumentar a complexidade dos casos, as crenças e o próprio comportamento do doente exercem influências marcantes sobre a dor, a incapacidade e o resultado do tratamento. Diante desse quadro, alguns profissionais chegam a levantar a hipótese de ganho secundário ou comportamento exagerado do paciente diante da doença 5,
- Entretanto, a possibilidade de ganho secundário é descartada por vários autores, uma vez que indivíduos que possuem diagnóstico de LER/DORT enfrentam inúmeros preconceitos e dificuldades para reinserção profissional e social 6,7,
- No Brasil, existem alguns centros de atendimento integral ao trabalhador adoecido que adotam uma abordagem interdisciplinar e atuam sobre a esfera corporal, psicossocial e afetiva 7,
No entanto, muitos trabalhadores não têm acesso a esses centros e são tratados pelo sistema de saúde conveniado, sem essa abordagem interdisciplinar. Assim, o trabalhador que apresenta sintomas de formigamento, dor e limitação da capacidade laboral, freqüentemente procura um médico que, após diagnóstico e tratamento, o encaminha para a fisioterapia.
O fisioterapeuta, ao atender o paciente com LER/DORT, vive um paradoxo entre a subjetividade inerente à síndrome e a objetividade do tratamento. Considerando que as representações dos fisioterapeutas a respeito da doença e do doente podem influenciar nas formas de encaminhar a assistência fisioterapêutica, faz-se necessário conhecer e investigar uma possível associação dessas representações com a prática clínica.
Esta questão de pesquisa surgiu de observações realizadas no cotidiano de trabalho, em que profissionais da saúde e, mais especificamente, fisioterapeutas rotineiramente fazem afirmações do tipo: “pacientes com LER/DORT não apresentam prognóstico favorável e sempre retornam para tratamento”.
A origem e a fundamentação desse tipo de raciocínio clínico ainda não estão claras e pode-se questionar se isso não seria resultado de uma cultura criada e reforçada pelos profissionais em virtude de suas representações sobre os pacientes com LER/DORT e da interação com os colegas. Na busca de um referencial teórico que ajudasse a compreender as questões expostas acima, optou-se pela teoria das representações sociais 8 e pela epistemologia comparativa 9,
As representações sociais são modalidades de conhecimento particular que têm por função a elaboração de comportamentos e a comunicação de indivíduos. Tal conhecimento provém de um conteúdo simbólico e prático, faz parte da vida cotidiana das pessoas e funciona no sentido de interpretar, pensar e agir sobre a realidade 8,
- Na epistemologia comparativa de Ludwik Fleck, destacam-se dois conceitos: o coletivo de pensamento e o estilo de pensamento.
- O primeiro é definido como “uma comunidade de pessoas intercambiando idéias ou mantendo interação intelectual”; e o segundo, como “uma construção definida do pensamento, ou disponibilidades intelectuais para uma forma particular de ver e agir ao invés de qualquer outra” 9,10,
A escolha dessas teorias fundamenta-se no fato de que os depoimentos se apresentaram carregados de expressões relativas ao senso comum, às crenças e ao comportamento dos fisioterapeutas, inter-relacionados com o contexto social. Procedimentos metodológicos O presente estudo foi desenvolvido numa abordagem qualitativa, buscando conhecer aspectos particulares e trabalhar com o universo dos significados, dos valores e das atitudes, que compreendem o espaço mais profundo das relações e fenômenos 11,
Um dos recursos utilizados foi a entrevista semi-estruturada. Foram selecionados, por conveniência, fisioterapeutas que atendem pacientes com LER/DORT no município de Divinópolis, Minas Gerais. Para a localização desses profissionais, foi realizada uma busca por clínicas de fisioterapia na lista telefônica.
No primeiro contato, foram explicitados os objetivos da pesquisa, e os profissionais foram questionados sobre a área de atuação e o ano de conclusão da graduação. Foram encontrados 28 fisioterapeutas que atuam na área de fisioterapia aplicada à ortopedia, com um tempo de graduação que varia de um a 32 anos.
Durante a seleção dos participantes, adotou-se o critério de evitar a escolha de dois profissionais com o mesmo tempo de atuação, com o objetivo de obter depoimentos de profissionais com experiências práticas diferenciadas. Após um segundo contato, as entrevistas foram marcadas e realizadas no local de trabalho dos fisioterapeutas participantes, em dia e horário escolhidos por eles.
Foram feitas 14 entrevistas, e o critério utilizado para interrupção foi o momento em que o surgimento de novos dados se tornou cada vez mais raro, conformando a saturação 11, As entrevistas foram gravadas, e a duração variou de 20 minutos a uma hora.
- Ao término da pesquisa, foram obtidos 406 minutos de gravação, que geraram 118 páginas transcritas.
- Após a transcrição, os depoimentos foram encaminhados aos participantes para leitura e confirmação das informações.
- Padronizou-se a abertura das entrevistas: inicialmente, os fisioterapeutas foram informados sobre o objetivo da pesquisa e, em seguida, leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob o parecer n.ºETIC 0012/06.
Posteriormente, conduziu-se a entrevista com base em temas definidos previamente, como a causa das LER/DORT, os fatores que interferem no tratamento, o foco da avaliação e os critérios empregados para a alta. Um segundo recurso utilizado para a coleta de dados foi a observação não-participante, por meio de sorteio.
- A observação foi realizada durante o tratamento do paciente com LER/DORT, sendo sistematizada com base nos dados das entrevistas.
- Os tópicos a serem observados incluíram a interação do fisioterapeuta com o paciente, os procedimentos realizados na sessão e as orientações feitas ao paciente no final da sessão.
No total, foram feitas quatro observações. Os pacientes receberam informações sobre a pesquisa e, após concordarem em participar do processo de observação, também assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os dados da observação foram registrados no roteiro e analisados posteriormente, de forma a complementar as entrevistas.
- A análise das entrevistas foi feita com base em unidades temáticas ou temas, que podem ser entendidos como unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado.
- Foram seguidos os critérios sugeridos por Bardin 12, em três etapas, para a organização da análise: a) a pré-análise: nesta fase, o material bruto foi submetido à organização em unidades temáticas, retomando os objetivos iniciais da pesquisa; b) a exploração do material: o material selecionado na primeira leitura foi reorganizado em unidades temáticas orientadas pelas categorias; c) tratamento dos resultados obtidos e interpretação: nesta etapa, buscou-se ultrapassar o nível de descrição das falas e de observações para chegar à interpretação das informações.
A interpretação é uma seqüência da análise e sua meta é a busca de sentidos das falas e das ações para alcançar uma compreensão além dos limites do que é descrito 12, A teoria das representações sociais e a epistemologia comparativa serviram como suporte durante o processo de interpretação.
Resultados e discussão Os resultados são apresentados em dois blocos: primeiro, uma breve descrição dos participantes e, em seguida, os depoimentos, que foram divididos em unidades temáticas ou temas. Com base em Patton 13, considerou-se que nenhum método simples resolve adequadamente o problema de pesquisa e que cada método revela diferentes aspectos da realidade empírica.
Assim, buscou-se triangular as unidades temáticas resultantes das análises das entrevistas, com a literatura existente e os dados das observações. Os participantes Foram entrevistados 11 mulheres e três homens; os nomes foram substituídos por pseudônimos para preservar a identidade.
- Nenhum dos participantes graduou-se na década de 1980, e a maioria dos entrevistados possuía título de especialista.
- Todos os fisioterapeutas trabalhavam com outros, em um mesmo local, o que pode ser um fator interessante ao considerar-se o que foi relatado por Richardison 14,
- Segundo a autora, as ações dos fisioterapeutas são fortemente influenciadas pelo ambiente de trabalho e pela percepção dos colegas mais velhos.
Existe uma cultura no local de trabalho que se desenvolve em um contínuo processo de influência e interação profissional 14, Vários entrevistados deram exemplos de situações em que idéias e estratégias de tratamento são compartilhadas, como podemos observar nesse depoimento: “a influência dos colegas de profissão sabe lá na universidade a gente tem outros colegas.
Então, lá a gente acaba trocando idéias a gente troca bastante informação” (Dionísia). Temas recorrentes nas entrevistas e observações O processo de análise das entrevistas e das observações gerou três grandes temas que foram denominados de “movimentos”. No primeiro movimento, discute-se como o fisioterapeuta lida com a avaliação, o tratamento e a alta do paciente com LER/DORT.
O segundo movimento aborda o estigma da LER/DORT na perspectiva dos fisioterapeutas, destacando-se as representações, as crenças e as atitudes em relação à doença e ao doente. O terceiro movimento diz respeito ao conflito existente entre o saber do fisioterapeuta e como eles se sentem durante o tratamento desses pacientes.
Primeiro movimento: avaliação, tratamento e alta Nas disposições preliminares da resolução n.º 8 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito), instituída em 20 de fevereiro de 1978, a avaliação, a reavaliação e a determinação das condições de alta do cliente submetido à fisioterapia e/ou terapia ocupacional constituem atos privativos do fisioterapeuta e do terapeuta ocupacional, respectivamente 15,
Entretanto, no que diz respeito ao atendimento do paciente com LER/DORT, são evidentes as dificuldades que o fisioterapeuta encontra para executar essas atividades. A avaliação e a alta são freqüentemente pautadas no modelo biomédico e centradas na estrutura e função do corpo, o que fica evidente neste depoimento: “eu vejo mais se ele está com limitação, se tem alguma fraqueza muscular, se a dor está irradiando, se tem alguma alteração de sensibilidade” (Dionísia).
- Para Bonet 16, o conjunto de representações e práticas da cultura ocidental moderna, nos processos de saúde-doença, priorizou a ordem biológica e possibilitou o que hoje se conhece como “modelo biomédico”.
- Tal modelo não deixa espaço para as dimensões sociais, psicológicas e comportamentais que teriam influência na doença.
Tem, portanto, suas bases num reducionismo biologista, no qual as doenças são caracterizadas por um agente etiológico reconhecido, um grupo de sinais e sintomas identificáveis, e alterações anatômicas consistentes. Essa preocupação pela objetivação da doença, que possibilitou à biomedicina constituir-se conquanto saber científico, ocasionou o seu distanciamento dos interesses do doente 16,
Vejamos: ” aí a pessoa insiste em me falar do trabalho, mas eu insisto em olhar a parte fora do trabalho” (Vanessa). Na visão dos fisioterapeutas entrevistados, a própria etiologia das LER/DORT está reduzida a três tipos de abordagem: biológica, psicológica e sociológica. Essas abordagens contrariam os achados da literatura especializada em saúde do trabalhador, que evidencia a ligação do trabalho com as LER/DORT e declara que elas só podem ser compreendidas a partir de criteriosa avaliação da atividade laboral 17,
Entre os fisioterapeutas mais voltados para a abordagem biológica, foram considerados fatores etiológicos das LER/DORT os aspectos biomecânicos e físicos. Eis o que diz Natália: “movimento repetitivo, carregar peso excessivo, postura inadequada”. Os fisioterapeutas que priorizaram a abordagem psicológica apontaram as falhas de comportamento ou a susceptibilidade dos próprios trabalhadores como possíveis fatores desencadeadores do processo de adoecimento.
Tal concepção descaracteriza o vínculo com o trabalho, apresentando o trabalhador doente como naturalmente predisposto. “É o tipo de atividade, a repetição, a postura inadequada, máquinas inadequadas, sabe? Mas começa, começa primeiro com essa tensão, essa angústia de ter que dar conta daquilo, sabe? O medo de perder o emprego e o caráter depressivo do paciente” (Marcelo).
O estudo de Sato et al.18 mostrou evidências contrárias, em que os traumas psicológicos, a culpa e a auto-estima diminuída são considerados conseqüências da doença, e não pilares de uma personalidade naturalmente predisposta a adoecer. Alguns dos entrevistados, mesmo reconhecendo as pressões oriundas da organização do trabalho, pareciam ainda desacreditar no sofrimento dos trabalhadores diante das limitações impostas pelas LER/DORT.
Os fisioterapeutas que adotaram essa atitude atribuíram ao contexto socioeconômico e cultural um papel preponderante na gênese da doença, acreditando que as LER/DORT são simulações, caracterizadas por artifícios utilizados pelos trabalhadores, tendo em vista benefícios relacionados a salário. Vejamos alguns exemplos: “tenho casos de pessoas que realmente conseguiram até mesmo aposentar e, particularmente, eu vejo na intimidade que é uma vida relativamente normal.
Pessoas que jogam tênis, peteca e estão afastadas” (Gustavo). E mais: “a pessoa prefere se acomodar, ter uma aposentadoria garantida pro resto da vida e saber que não precisa mais trabalhar e que pelo menos está garantindo o salariozinho dela lá todo mês” (Bruna).
Pode-se dizer que é difícil visualizar os ganhos do trabalhador com tal simulação, uma vez que, depois de confirmado o diagnóstico de LER/DORT, ele enfrenta diversos preconceitos e dificuldades de reinserção social e profissional. Incapacitados por essas lesões e pertencendo à faixa etária mais produtiva, os trabalhadores perdem o referencial de vida representado pela sociabilidade do trabalho ao aposentarem-se precocemente 19,
Vários autores defendem que a determinação das LER/DORT perpassa pela estrutura social, relacionando-se, sobretudo, com as mudanças na organização do trabalho e com as inovações tecnológicas da reestruturação produtiva 5, 6,18, A falta de sinais objetivos que caracterizem a síndrome favorece a sustentação de abordagens parciais como as descritas acima.
A invisibilidade da síndrome, a evolução clínica imprevisível e a subjetividade da dor fazem com que os profissionais, muitas vezes, mostrem-se perdidos diante do quadro: “o quadro de dor pra gente é muito difícil, é muito subjetivo você questionar a dor do paciente, né? Então a gente vê que já teve alguma melhora, de repente ele chega com muita dor, e aí você fica meio por entender, né?” (Carla).
Alguns entrevistados também demonstraram despreparo para reconhecer e distinguir LER/DORT de outras patologias musculoesqueléticas. Em alguns casos, consideram qualquer processo patológico de membro superior e cintura escapular como LER/DORT, independentemente do nexo causal com o trabalho, como pôde ser registrado na fase de observação das sessões de tratamento.
Por exemplo, um dos pacientes agendados pelo fisioterapeuta para o processo de observação era idoso, aposentado e apresentava um quadro de degeneração articular cervical crônica. Essa dificuldade na definição dos casos de LER/DORT também pôde ser percebida nas entrevistas. A seguir, um depoimento de Dionísia: “todo mundo já escutou esse termo LER e DORT e todo mundo fala que isso só acontece com a profissão, né? E a gente sabe que isso também pode ser dentro de casa, onde for.” As dificuldades encontradas no processo de reconhecimento da síndrome e na avaliação dos pacientes interferem drasticamente na definição de um plano de tratamento adequado e no estabelecimento de critérios para alta, principalmente nos casos crônicos, como podemos notar nesta declaração: “você pode, por exemplo, indicar uma crioterapia para ele e, daqui a três dias, você tirar a crio, porque a dor dele aumentou e ele não tolera o gelo.
aí você passa para o quente ou para o banho de contraste” (Janaína). O momento da alta é particularmente difícil, seja devido às restrições do próprio sistema de saúde conveniado, seja por insegurança do profissional. A seguir dois depoimentos: “a alta de pacientes desses casos é a coisa que mais incomoda a gente, então por isso que eu acho que trabalhar em equipe é muito bom.
Eu acho que a equipe dá um suporte muito grande uma segurança pra quem tá dando esta alta” (Janaína). “Muitas vezes a gente nem consegue dar alta pro paciente, porque, quando a gente pede pra eles voltarem, eles não voltam, né? eles fazem dez sessões e param, a fisioterapia é por convênio e eles param por questões financeiras” (Dionísia).
Diante do exposto, surgem diferentes questões, tais como: a adoção do modelo biomédico é suficiente para atender e entender a demanda de pacientes crônicos? Por que o foco do tratamento é o alívio dos sintomas, e não a disfunção do movimento ou a eliminação dos fatores causais? A instrução normativa do INSS de 2003 esclarece que o tratamento convencional realizado para a dor aguda não é efetivo em condições crônicas.
Além disso, o profissional pouco habituado no manejo dessas condições tem dificuldades para aceitar o fato de que alguns pacientes, mesmo afastados do trabalho e recebendo tratamento, não apresentem melhoras 2, A compreensão da gênese das LER/DORT parece fundamental para abordagens mais eficazes e resolutivas.
Segundo movimento: o estigma das LER/DORT Baszanger 20, em seu trabalho sobre experiência e tratamento da dor, ressalta que, nos casos de dor crônica, a experiência do paciente é considerada o principal alvo da terapia, isto é, o paciente constrói com o profissional de saúde, de acordo com a sua experiência particular, o tratamento adequado para ele.
Com essa abordagem, objetiva-se que o paciente aprenda a tratar e a lidar com a sua dor. No entanto, isso parece impossível se a dor for considerada como uma manifestação subjetiva do doente e conseqüentemente não pode ser valorizada. Ou ainda, se existir a crença, por parte dos profissionais, na capacidade de simulação dos pacientes para obtenção de ganhos secundários.
Como pode ser visto nesta declaração: “então a pessoa aproveita disso para tirar uma licença, ficar um tempo fora, eu acho que às vezes o negócio é meio sugestionado” (Bruna). Essas proposições são muito criticadas, por excluir a possibilidade de o trabalho constituir-se como um elemento do processo de adoecimento.
A radical separação entre o trabalho e o corpo que adoece acaba encontrando uma ancoragem na idéia de predisposição 21, Viana 22 relata que a adaptação a uma condição crônica pode ser afetada por fatores psicológicos e que o modo como o paciente enfrenta os problemas advindos do adoecimento deve ser considerado, uma vez que esse enfrentamento interfere no seu nível de bem-estar.
Para a autora, enfrentamento deve ser entendido como um processo que sofre modificações ao longo do tempo de acordo com as exigências do contexto. A busca de suporte social também é considerada uma estratégia fundamental no enfrentamento da doença, e, a falta desse suporte pode contribuir para uma pobre reabilitação do paciente com dor crônica.
A influência desses aspectos psicossociais foi bem observada por alguns dos fisioterapeutas deste estudo, que recordaram como a atitude dos próprios profissionais de saúde ou mesmo a falta de apoio familiar pode influenciar negativamente na recuperação dos pacientes. Marcelo, por exemplo, declara: “existem muitos pacientes com problemas familiares terríveis.
e isso põe o paciente numa situação miserável. O que tava difícil, piora. Se não houver um isolamento de quadros muito dramáticos da família é difícil esse paciente melhorar”. Terceiro movimento: conflito entre saber e sentir Um aspecto marcante durante as entrevistas foi a hesitação dos entrevistados ao serem questionados sobre o modelo teórico adotado no tratamento dos pacientes com LER/DORT.
- Em alguns casos, foi necessário repetir a pergunta várias vezes, e, mesmo assim, não foi possível obter uma resposta coerente.
- Optou-se, então, por não insistir na pergunta para evitar constrangimento e pressão excessiva.
- Alguns entrevistados parecem ter confundido modelo teórico com teorias que fundamentam a utilização de recursos fisioterapêuticos ou com a adoção de protocolos de tratamento.
Vejamos: “se ele chega com um quadro de dor a gente procura amenizar o que está acontecendo eu não vou pegar um livro pra ver o que tá falando porque de repente não vai funcionar para aquele paciente” (Carla). Para Wolff et al.23, as dificuldades encontradas no tratamento de pacientes com dores crônicas são compostas não só por falhas no conhecimento, mas também pelo comportamento dos profissionais diante da dor crônica.
Os fisioterapeutas deste estudo foram questionados sobre a participação em cursos, congressos ou palestras sobre LER/DORT e em relação aos fatores que podem interferir no tratamento dos pacientes com dor crônica. A maioria declarou ter participado de cursos ou congresso sobre os temas somente na época de faculdade e expuseram conceitos antigos quanto às diferenças existentes entre pacientes crônicos e agudos.
A seguir, o que duas fisioterapeutas disseram: “o paciente agudo é mais fácil de tratar o crônico fica, né? Muitas vezes não fazem o que a gente pede” (Dionísia). “Não tem nenhuma diferença, para tratar, não” (Natália). A evolução lenta dos pacientes foi atribuída à falta de cuidado ou de adesão do paciente ao tratamento proposto.
- Essa crença pode gerar uma acomodação do profissional diante da complexidade das dores crônicas e da definição do tratamento.
- Ainda com relação às formas de atualização do conhecimento, alguns fisioterapeutas relataram buscar informações sobre LER/DORT na internet, mas não revelaram o tipo de site acessado ou a qualidade das informações encontradas.
Esses pacientes tornam-se um desafio, porque colocam o fisioterapeuta diante de uma lacuna no seu saber. Esse não-saber, essa incerteza de um desfecho satisfatório, gera sentimentos de frustração, desgaste, desinteresse e até mesmo pânico. Eis alguns depoimentos: “ah! Eu vou ser sincera, eu tenho meio preguiça.
- É que eu acho que é um paciente mais difícil de ter uma melhora” (Bruna).
- Péssima, detesto.
- Detesto tratar todas as ‘ites’, tenho pânico.
- Principalmente as relacionadas com o trabalho.
- Destas que a pessoa chega e fala: eu tenho LER.
- Eu acho que raramente a gente tem resultado” (Gabriela).
- Quase todos os entrevistados demonstraram sentimentos que representam a impotência do profissional no atendimento dos pacientes com LER/DORT.
Tal sentimento pode ser explicado em parte pela visão reducionista do modelo biomédico adotado, que dificulta uma terapêutica eficaz nesses casos. Há que se reconhecer que as LER/DORT apresentam uma etiologia complexa que envolvem elementos biológicos, psíquicos e sociais e que a ineficácia dos tratamentos pode ser ainda maior na presença de dor crônica.
- A dor crônica não apresenta causa mensurável e amplia a distância entre o conhecimento objetivo do fisioterapeuta e a experiência subjetiva do paciente.
- A distância entre esses dois pólos ficou muito clara quando se usou a triangulação das entrevistas com as observações.
- Em alguns momentos da entrevista, os fisioterapeutas apontaram os seguintes fatores como fundamentais para melhor qualidade do tratamento e prevenção das LER/DORT: ser capaz de ouvir os pacientes; traçar uma conduta clínica com base nas informações obtidas nas avaliações; orientar o paciente quanto ao posicionamento e à postura adequada no trabalho, bem como sobre a prática de exercícios e alongamentos.
Entretanto, durante a observação das sessões de tratamento, esses fatores não foram encontrados. Enquanto os fisioterapeutas aplicavam os recursos terapêuticos, os pacientes permaneciam lendo revistas ou livros. Raramente havia diálogo entre o profissional e o paciente.
Durante um atendimento, a paciente queixou-se de que a sua dor havia migrado do ombro para o cotovelo, e o fisioterapeuta, imediatamente, mudou o local de aplicação do recurso terapêutico, como se o aparelho “corresse” atrás da dor. Os pacientes não receberam orientações com relação a cuidados posturais durante as sessões observadas, e somente um paciente realizou exercícios de alongamento, destacado como importante intervenção na prevenção dos sintomas das LER/DORT.
No estudo de Daykin e Richardson 24, os fisioterapeutas classificaram os pacientes com dor lombar crônica em “pacientes bons” e “pacientes difíceis”. Os pacientes bons eram aqueles que apresentavam um quadro clínico bem definido, que estavam motivados com o tratamento e que ouviam as recomendações dos fisioterapeutas.
- Já os pacientes difíceis eram aqueles mais passivos, que não participavam do tratamento e que consultavam vários profissionais.
- Esse tipo de classificação dos pacientes também apareceu nas entrevistas deste estudo: “a pessoa que quer melhorar é mais interessada em tudo.
- Você fala assim: faz isso em casa, esse alongamento, coloca gelo em casa, ela coloca.
o paciente que não está querendo ele não tem este tipo de preocupação, sabe?” (Gabriela). Com relação aos procedimentos fundamentais na prevenção dos pacientes com LER/DORT, alguns entrevistados citaram a análise ergonômica e a ginástica laboral, ainda que ergonomia tenha sido simplificada à adequação de mobiliários e ambientes físicos.
- Vejamos: “o trabalho intenso dentro das empresas mostrando a importância da ginástica laboral para a prevenção a atividade física é fundamental, boa postura e alongamentos diários” (Dionísia).
- E ainda: “se eu pudesse, eu iria a todas as empresas e falava do jeito que tinha de ser a mesa, o computador, a escala de trabalho, implantar aquela ginástica laboral com eles pra poder prevenir os quadros de LER/DORT” (Carla).
A ergonomia busca uma análise dos processos de reestruturação produtiva no que se refere à caracterização da atividade e à inadequação dos postos de trabalho. A caracterização da atividade é um elemento fundamental para atingir um funcionamento estável em quantidade e qualidade.
- Portanto, a atividade deve ser concebida considerando a diversidade da população de trabalhadores e a variabilidade inerente a ela.
- Muito além da simples adaptação física dos ambientes de trabalho, é necessário conhecer e integrar as variáveis do indivíduo às exigências e a organização do trabalho.
- Somente integrando tais variáveis, pode-se facilitar a qualidade de vida no trabalho e favorecer a produção 25,26,
Quanto ao efeito da ginástica laboral na prevenção das LER/DORT, a literatura ainda é controversa. Embora tenha sido considerada importante na prevenção de lesões osteomusculares relacionadas ao desgaste e ao estresse no trabalho 27, alguns autores defendem que a ginástica laboral, quando adotada de forma isolada, não é suficiente para prevenir LER/DORT e pode distorcer a visão sistêmica necessária para abordar esse complexo fenômeno 27, 28,
Considerações finais Neste estudo, observou-se que, ao serem caracterizadas por sintomas subjetivos como dor e parestesias e pela ausência de sinais clínicos objetivos, as LER/DORT configuraram-se como uma síndrome complexa para os fisioterapeutas entrevistados, sendo possível detectar um estilo de pensamento reducionista em relação a elas.
Esse estilo de pensamento revela que os entrevistados percebem o paciente de forma fragmentada, com uma concepção mecanicista do organismo humano. Também foi observado que as representações sociais dos fisioterapeutas entrevistados sobre as LER/DORT e sobre o doente foram elaboradas coletivamente com base na realidade cotidiana do atendimento clínico.
- Como referencial teórico para a prática clínica, destacou-se a adoção do modelo biomédico favorecendo a visão de que o paciente é apenas o portador da doença.
- A falta de vínculo entre a doença e o doente provoca uma desconfiança no sofrimento do paciente e reforça as intervenções tecnicistas.
- O foco do tratamento passa a ser a doença, e a distância entre o profissional e o doente torna-se cada vez maior.
Os entrevistados que tentam ultrapassar o limite das concepções mecanicistas acabam por psicologizar o sofrimento dos indivíduos. Independentemente do modelo teórico adotado pelo profissional, é urgente que ele compreenda o processo de saúde de forma mais ampla e aceite que o corpo biológico é criado e desenvolvido dentro de um ambiente cultural e social específico.
Assim, a experiência, o sentimento e a história de cada indivíduo são fatores que devem ser reconhecidos no desenvolvimento das estratégias de intervenção. O conhecimento técnico-científico e objetivo do fisioterapeuta deve ser conciliado com a expressão subjetiva do paciente. Desta forma, não basta concentrar esforços na tentativa de reestruturar o funcionamento normal do corpo se as demandas do paciente são desconsideradas.
Também não basta procurar a prevenção das enfermidades pela normalização de condutas se a participação ativa do indivíduo for desprezada. Os entrevistados demonstraram dificuldades para reconhecer e lidar com os aspectos subjetivos das LER/DORT. Tal conduta parece afetar negativamente a resolutividade dos tratamentos.
Assim, o fracasso de algumas intervenções reforça o pressuposto clínico de que os pacientes com LER/DORT são difíceis, que não melhoram ou que sempre retornam ao tratamento. Vale ressaltar que o reconhecimento dos aspectos subjetivos, os quais raramente coincidem com os aspectos objetivos da doença, não implica desconsiderar as alterações biológicas que possam estar presentes.
Tais alterações devem ser tratadas com o objetivo de ampliar as margens de segurança e tolerância do indivíduo aos riscos impostos à saúde. Espera-se contribuir para a adoção de um modelo de cuidado em fisioterapia, que tenha como foco o sujeito em sua singularidade, com abertura para a escuta e o diálogo, para que o saber popular e o saber técnico possam ser decodificados e reconstruídos no encontro clínico.
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É ler uma doença ou enfermidade?
Ler/Dort – Sociedade Brasileira de Reumatologia Baixe o material sobre LER / DORT (A4) em formato PDF Não, LER não corresponde a uma doença ou enfermidade. LER é a sigla para “Lesões por Esforços Repetitivos” e representa um grupo de afecções do sistema musculoesquelético. São diversas afecções que apresentam manifestações clínicas distintas e que variam em intensidade.
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Quais são os fatores de risco das ler?
Os grupos de fatores de risco das LER/Dort podem ser relacionados com: posto de trabalho, exposição a vibrações, exposição ao frio, exposição a ruídoelevado, apressão mecânica localizada, posturaseacarga mecânica músculo-esquelética.
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